No último ano do seu mandato, corria 1999, o saudoso prefeito de Caxias Ezíquio Barros Filho foi cassado pela justiça eleitoral, que acatou processo de seus adversários políticos sob a alegação de que ele fora beneficiado, antes das eleições de 1996, pela ação do ex-prefeito Paulo Marinho em regularizar a propriedade de muitas moradias do bairro Nova Caxias.
Quem vivenciou a época, com certeza tem conhecimento que o Nova Caxias nasceu por iniciativa do cacique Aluízio de Abreu Lobo, que dominava a política da Princesa do Sertão, até ser superado por Paulo Marinho. Quando da inauguração do residencial, os moradores receberam as chaves da casas, tomaram posse, mas ficaram de receber depois as escrituras, coisa que levou mais de uma década para ser finalmente resolvida. Marinho, talvez cumprindo uma promessa de campanha no último da sua gestão, esmerou-se em solucionar um problema que tirava o sono de quem residia na área.
Conto este caso para demonstrar em que nível a justiça eleitoral estava atenta ao que identificava como abuso do poder político ou abuso econômico perpetrado por gestores municipais de plantão; e ela era dura e inflexível em relação ao tema, como o foi tempos depois banindo dos comícios shows musicais contratados a peso de ouro, através dos quais ficava bem evidente a pujança econômica de quem participava das eleições.
O candidato que trazia, por exemplo, as melhores bandas musicais do país, levava claramente vantagem, era o que ia ganhar, na mente do eleitor com baixa percepção do que realmente ocorre no meio político, coisa que infelizmente ainda prevalece no imaginário da grande maioria das pessoas que vai às urnas deixar civicamente o voto no dia de eleição.
Dito isso, em mais de duas décadas do século 21, da forma mais descarada possível, as duas coisas continuam a prevalecer no meio político brasileiro, sobretudo da parte de quem detém o poder e quer se manter nele a qualquer custo. Os gestores municipais, que não podem mais bancar caros comícios, realizam o diligente trabalho de conduzir obras de infraestrutura, expansão de benefícios sociais, doações de medicamentos, etc..., claramente no interesse de conquistar o eleitorado para os quadros que apóia, uma vez que não está em jogo pleito de cenário exclusivamente municipal.
No plano dos estados da federação, a coisa também se repete. Quem concorre a governador, no mandato, não comparece a inaugurações, mas manda assessores falarem em seu nome. Fora dessa equação, em termos, apenas os que batalham por vagas nas assembleias estaduais, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Mas, não tão por fora assim, já que é corrente e muito forte no éter a expressão orçamento secreto do relator, que na verdade é uma artimanha política descarada de jogar dinheiro público a fundo perdido nas mãos dos políticos federais, para que esses balizem a capilaridade dessa distribuição de recursos por todo o país. Com que objetivo? Claro, vencer as eleições!
Mais interessante é notar que a justiça de um modo geral passou a assumir um papel coadjuvante na campanha eleitoral que grassa no país. Antes fiscalizadora implacável, guardiã das urnas eletrônicas que encantam o resto do mundo, agora vem sendo vilipendiada como um órgão que não corresponde aos interesses maiores de alguns, como se o sistema constitucional brasileiro em vigor tivesse sido elaborado e chancelado com viés para favorecer essa ou aquela facção política e sua escolha ideológica.
Nos últimos três anos, por exemplo, jamais se tinha visto na história brasileira tantos disparates cometidos, e isso a partir do mandatário instalado no Palácio do Planalto, em Brasília. E as críticas e ataques que brotam do lugar são sempre no sentido de levar as pessoas a crerem em um curso de perseguições jurídicas contra o governante.
Ora, quem possui conhecimento básico do direito sabe que juiz algum move ação contra alguém ou uma instituição sem ser provocado, nem a título de orientação ele pode se manifestar, pois sabe que a advocacia está atenta e pronta para oportunamente embargar a decisão que vir a ser tomada em tal base jurídica. Foi por isso que o juiz federal Sérgio Moro, o procurador federal Deltan Dallagnol, por exemplo, jogaram por terra o trabalho da Operação Lava Jato gestado em Curitiba.
Não obstante, está no circuito as decisões do Supremo Tribunal Federal contra o comício presidencial do dia 7 de setembro, contra a imediata implantação de um novo piso salarial para os enfermeiros homologado pela Presidência da República, situações genialmente pensadas para enfraquecer a magistratura no país, e assim preparar terreno para que a população enxergue que o certo é substituir imediatamente o modelo de organização que impera no país, calçado na separação dos poderes, como modelarmente bem imaginou o filósofo francês Montesquieu, lá no distante século 18, e que é a base fundamental da democracia moderna.
É evidente que não se faz defesa contra o piso salarial dos enfermeiros, já que esses valorosos profissionais são a espinha dorsal da prestação de serviços médicos no país e não têm recebido mesmo reconhecimento. A questão é o momento em que é feito isso, assim como milagrosamente a gasolina baixou de preço da forma jamais vista; o programa Auxílio Brasil, que no início era para ser de 200 reais, e depois passou para 600 reais por causa da pandemia, e agora está novamente renovado até o final do ano, com promessa para vingar também em 2023, muito embora não se saiba de onde virão os recursos para honrá-lo.
Se o leitor prestar atenção, facilmente perceberá que à sua volta está sendo tecida uma proposta de estelionato político sem precedentes no Brasil, porque, verificado o contexto da economia mundial, muito do que está sendo oferecido ao país, agora, não tem condições de se sustentar no próximo ano, que será o momento no qual, finalmente, o eleitorado despertará para a realidade da vida, já mais calmo das paixões da disputa eleitoral.
E pensar que a justiça, se de fato restar enfraquecida, não será capaz de agir nem como aconteceu com Ezíquio Barros Filho, cassando-lhe o mandato por um abuso de poder político que ele, seguramente, não foi autor, mas apenas enquadrado com beneficiário, enquanto o nosso Brasil de hoje escancara para o mundo a prática de todo tipo de crime eleitoral nessa campanha de 2022. E olha que ainda há tempo para mais lances, pois estamos a 16 dias do primeiro turno das eleições!!!
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