É impressionante o rumo que a política municipalista tomou nos últimos anos. Não é coisa de agora, mas de três décadas atrás, que os alcaides deixaram de agir como verdadeiros administradores para se transformarem em experts de ações tipo “pão e circo”, atitudes que também não são da contemporaneidade em que vivemos, mas herança da Roma dos césares, modelo muito antigo, não?!!!
Acompanhando as mídias oficiais, percebe-se o quanto esse tipo de prerrogativa domina hoje a política brasileira. A classe política vive em um mundo surreal, porque, em vez de projetar o bem-estar das comunidades a que servem, criar oportunidades para que crianças, jovens, adultos e idosos vivam melhor, a prerrogativa que supera tudo está no prazer de se sentir poderoso, vitorioso, em suma, uma pessoa que foi escolhida para viver bem em detrimento da maioria desprezada e esquecida.
Nesta semana, uma matéria televisiva veiculada no horário nobre chocou o país inteiro. A reportagem, que foi aferir como estava funcionando o trabalho de uma ONG assistencial em uma grande cidade brasileira trouxe para dentro das casas dos patrícios o estado de miséria que muitos conterrâneos estão enfrentando no atual momento econômico do país, ao evidenciar o desespero diário de uma avó/mãe de 57 anos de idade que, viúva e desempregada, batalha para levar para casa a comida que será a única ração diária para si mesma e mais quatro crianças que cuida desde que a filha faleceu.
Ao ser entrevistada, no início a idosa senhora até procurou se manter altiva, mas não aguentou e sucumbiu em lágrimas que desequilibraram não só o espírito do pessoal da reportagem, mas seguramente a todos que assistiram a prova inconteste da desgraça que está atingindo os segmentos populacionais mais desafortunados do Brasil.
E a verdade é uma só: se não houver pessoas se compadecendo da situação do próximo, a morte talvez seja para essas pessoas a única opção para se libertarem do castigo que os poderosos impõem a quem teve o infortúnio de não nascer, como se diz, em berço de ouro, e, a partir daí, já em desvantagem de progredir na vida, principalmente se a sua cor não corresponder também ao que preconiza o ápice da pirâmide que detém o poder no país.
Que a pandemia desestruturou a economia brasileira e do mundo inteiro; que o confronto militar entre Rússia e Ucrânia vem ampliando mais as dificuldades nesse campo, todo mundo sabe. O que ninguém entende é ser inteirado que uma empresa petrolífera cujo maior acionista é o próprio governo nacional, portanto o povo brasileiro, adote uma política de cumular seus acionistas de lucros exorbitantes, sem se importar com as dificuldades reais e improrrogáveis da grande maioria da população.
Para dar uma ideia da situação, a Petrobrás, criada em 1953, no governo Getúlio Vargas, com o objetivo de desenvolver a exploração petrolífera em favor do fornecimento de combustíveis no país, hoje é uma estatal com capital aberto que denomina, sim, a tecnologia da exploração do petróleo, e chegou tão longe que atualmente é ela que domina a exploração nas bacias oceânicas de grande profundidade. Contudo, paradoxalmente, em vez de trabalhar para o Brasil, por causa de políticas equivocadas em desproteger a soberania nacional, foi lançada ao mercado de capitais, ao ponto de na atualidade ter se transformado na grande vilã da vida brasileira, pressionando a elevação nos preços de toda a cadeia produtiva brasileira com o aumento sistemático do custo dos combustíveis.
A doutrina capitalista clássica ressalta que a política de dividendos tem como premissa básica a ganância, um substantivo que significa a busca de benefício próprio às custas dos outros. Para consubstanciar a ideia, admite-se que a ganância faz parte da natureza humana e, como tal, não pode mesmo ser desprezada na medida em que tem capacidade de gerar riqueza e, com isso, proporcionar mais oportunidades dentro de uma economia, o que não deixa de ser um fato atenuador na equação.
O raciocínio prossegue, no entanto, até culminar no fato de que uma economia capitalista não é baseada na ganância ou no egoísmo, mas no interesse próprio. Mas, aí, o que dizer de uma empresa onde o mais prejudicado é o seu maior acionista, no caso, o povo brasileiro, que está de pires na mão, batalhando para sobreviver diariamente, alguns atrás de um prato de comida, de medicamentos, de um lugar até para dormir? Então, como fica essa coisa de interesse próprio, se os dividendos não alcançam o maior acionista? E olha que ela está gerando seis vezes mais dividendos até do que suas congêneres maiores no planeta, tipo Shell, Saudi Arabian, BP, etc...
A verdade é que uma lógica perversa se apossou do Brasil, e tudo passou a caminhar sobre sofismas de que isso ou aquilo é o melhor e vai alavancar o desenvolvimento do país. Mas, se é isso, então quem está ganhando muito é próprio governo federal às custas do empobrecimento da maior fatia da nossa população, outro paradoxo a refletir que a economia está montada não para beneficiar a todos, como reza a constituição, mas somente o seleto grupo que se esconde nos escaninhos do poder.
Aproveitadores de mentes egoístas doentias estimulam todo tipo de ressentimentos, preconceitos, ideologias, todos os dias, a partir das redes sociais, caminho mais fácil de achar-se em tempo real cada cidadão no território brasileiro. Absortos em delírio, a maioria nem imagina os interesses que estão por trás de tudo. Agora mesmo, em reunião dos BRICS, grupo de países (Brasil, Rússia, Índia, China) fora do grande bloco capitalista, ao qual o Brasil está vinculado, a China, que vive e prega a doutrina comunista, está se apresentando como a força da vez para liderar o agrupamento, em razão da pujança da sua economia.
Com o Brasil no meio, e seu governo flertando com arroubos autoritários, nem o tenente do exército Luís Carlos Prestes, que chefiou no início do século 20 uma cruzada comunista no país, seria capaz de vislumbrar um quadro tão favorável às ideias do filósofo Karl Marx no território brasileiro, caso a gestão presidencial aceite participar da parceria.
A propósito do presidente brasileiro, frisar que ninguém como ele representa mais a imagem do político que faz da mídia o seu programa de governo. Basta lembrar, visando contemplar seus apoiadores, as negativas que proferiu contra a ciência no início do que viria se transformar na fatídica pandemia do covid-19 no Brasil, a aversão por vacinas, à democracia em que foi eleito, os poderes constituídos, apoio subjetivo à dilapidação criminosa das riquezas da Amazônia, ou pregando palavras de ordem do tipo “nós contra eles”.
Agora, quando mais do que nunca sonha com uma improvável reeleição, vive de promover motociatas, fortalecer políticos que desprezava, a imaginar conspirações nas urnas e até pensar em reeditar no Congresso Nacional Brasileiro a criminosa invasão que o ex-presidente Donald Trump comandou ao Capitólio Americano depois que perdeu a eleição.
Quando se olha para trás, é fácil perceber que pensar nesse sentido resultou mesmo só em tempo perdido, porque a novidade deixou de ser uma atração para virar uma piada de mau gosto que ninguém quer mais ouvir. Os bons políticos que vivenciaram o sucesso em suas carreiras sempre procuraram participar ativamente da vida do povo. Sem mandar intermediários, estiveram presencialmente nos locais das demandas populares, atendendo, ouvindo, determinando o que era necessário ser feito. Uma ponte está quebrada, uma estrada danificada, uma rua, um escola, deterioradas, passar no local, conversar com as pessoas, assinar ordem de serviço, depois retornar para conferir o trabalho.
Agia assim o saudoso ex-prefeito de São Luís, ex-governador e ex-senador do Maranhão Epitácio Cafeteira, dono de uma das carreiras políticas mais emblemáticas e invejáveis no Estado. E a sua empatia com o povo era tanta que, quando chegava a época de eleição, todo mundo já sabia qual seria o resultado, sem que fosse preciso usar de artifícios nos meios de comunicação. Não há dúvidas de que o poder é algo mesmo muito exigente, de controle difícil, protagonista até de situação adversas, mas que sempre se deixa dominar por aqueles que, agindo de modo simples e de coração aberto, o mantém preso por mãos firmes ao longo de muitos anos.
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