A última audiência pública na Câmara Municipal, na quinta-feira da semana passada (19/05), versou sobre a grande presença de moradores de rua em condições de vulnerabilidade social e de estrangeiros na mesma situação em Caxias.
Mendigos na cidade sempre foram notícia em décadas passadas, mas a situação de agora passou a incomodar mais a comunidade a partir do início da pandemia do covid-19, por causa da degradação da economia brasileira, e ganhou um agravante a mais após o declínio da economia da vizinha Venezuela, que passou a exportar os infortunados da sorte daquele país para outros pontos da América do Sul, principalmente indígenas.
Quando a mente se perde em lembranças passadas, comparando-se ao que se assiste hoje por toda cidade e, mais acentuadamente, na área comercial central, é fácil perceber, pelo menos por parte de quem se preocupa com questões de natureza humanitária, que o que está ocorrendo agora na terra de Gonçalves Dias é algo sem precedentes em sua história, tamanho é o assédio que tais pessoas fazem às agências bancárias, às farmácias, nas lojas do comércio, nos mercados, nos supermercados, nas padarias, nos restaurantes, enfim, onde haja gente mexendo com dinheiro.
Ao contrário dos que vivenciaram o desfile de pedintes nas manhãs de sábado no centro da cidade em décadas passadas, época em que o processo se dava de forma mais ou menos organizada e nas residências era praxe manter algum trocado, roupas que não eram mais usadas pela família, remédios para purgar e curar vermes e porções de alimentos para serem doados, a coisa funciona hoje em regime semanal, de domingo a domingo e a qualquer hora do dia, a começar na parada obrigatória dos semáforos, onde condutores e ocupantes de veículos são assediados ininterruptamente com pedidos.
Nesses locais, às primeiras investidas, o cidadão, compadecido com a situação lamentosa e de penúria dos pedintes, que podem ser idosos, adultos, jovens e crianças, até abrem a bolsa para oferecer algum dinheiro. Entretanto, passadas outras interrupções no trânsito, ou por onde as pessoas circulem à pé, os cidadãos e cidadãs aos poucos são tomados por um estado de irritação que se acentua mais quando a meta é estacionar seu veículo, inclusive para comprar remédio, ou se vai a um caixa eletrônico, esteja ele em supermercado, numa farmácia ou numa agência bancária, pois lá encontrará pedintes utilizando todo tipo de estratégia para alcançar o intento de ganhar algo.
Alguns casos chegam a ser comoventes e despertam empatia pelo infortúnio. Mas logo se percebe que os gestos são estudados e que essas pessoas os transformaram em meio de vida. E é aí que se percebe realmente em que nível está vivendo a população mais pobre do Brasil, um país de clima favorável, pouco afeto a desastres naturais e detentor de recursos naturais abundantes que o classificam como uma das nações mais ricas do planeta, e dentro da qual, obviamente, teria obrigatoriamente de circular muita riqueza em prol de toda a sua população.
Por iniciativa do vereador Ricardo Rodrigues (PT), líder da gestão municipal no parlamento, o assunto veio à baila e mobilizou vereadores e representações da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, do Clube dos Diretores Lojistas e até a Associação dos Surdos de Caxias, esta última como se estivesse ali para lembrar a todos que a sociedade não tem ouvido o clamor dos que estão sendo assolados por todas as formas de indigência social.
Não obstante, foi lamentável anotar o não comparecimento de representantes do poder judiciário e do ministério público estadual ao encontro no plenário do legislativo, inclusive veiculado ao vivo para as redes sociais, que teve cerca de duas horas e meia de duração. Também anotar a preocupação dos empresários, assombrados com o fato de terem se transformado em alvos de muitas investidas contra seus estabelecimentos e patrimônio.
Em contrapartida, foi positivo ouvir a secretária de Assistência Social Ana Lúcia Ximenes dizer que a sua pasta atualmente trabalha com atendimento em todos os campos de amparo, por meio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que atende pessoas que vivenciam situações de violações de direitos ou de violências; do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), que oferece atendimentos individualizados, ou em grupos) a indivíduos e famílias; e do Centro Top, que oferece alimentação e abrigo a essas pessoas em estado de indigência.
Não lhes falta, por exemplo, alimentação e acompanhamento de saúde. E despertou curiosidade saber também que em nossa comunidade só existem seis casos ativos cadastrados e que dezenas de outros assistidos são egressos de regiões e municípios vizinhos, atraídos para Caxias porque aqui está disponível um serviço assistencial público que funciona mesmo com um corte de receita da ordem de 60 por cento por parte do governo federal.
A novidade foi tomar conhecimento de que os estrangeiros estão chegando à cidade certamente porque há organizações os apoiando, tendo como base Teresina, ou Timon, de onde veículos diariamente fazem o leva e traz dos indígenas, transportando mulheres, filhos menores e crianças de colo em fase de amamentação. Dá o que pensar, imaginar-se como está essa situação nas regiões da fronteira norte do país, haja vista que não se tem conhecimento de qualquer ação do governo federal para manter sob controle semelhante quadro de tragédia humana.
Entretanto, voltando à situação dos indigentes locais, foi igualmente surpreendente tomar conhecimento que, mesmo com todo tipo de orientação técnica, nenhum deles mostra disposição de voltar para suas famílias, objetivo maior do trabalho assistencial na cidade. O drama também atinge os que estão em trânsito. Mas o pior cenário fica por conta dos viciados, que, além de não quererem mais o contato familiar, também demonstram ojeriza por qualquer tipo de trabalho capaz de lhes proporcionar o sustento. Esses preferem sair às ruas pedindo, onde acham tudo mais fácil, não só para sobreviverem, mas também para permanecerem no vício que nunca saciam.
Com tal dilema nas mãos, o vereador Ricardo Rodrigues, juntamente com os edis da Comissão Permanente de Assistência Social do legislativo, elaboram agora um relatório pormenorizado do que foi levantado, acompanhado de sugestões a respeito do que é possível as autoridades fazerem para superarem esse problema que tem perturbado os caxienses.
Em meio aos debates da audiência, não faltaram exemplos para erradicar situações de roubos, arrombamentos, assaltos e ameaças aos cidadãos, através de reforço ao aparato de segurança com a guarda municipal, maior amplitude e raio de ação ao sistema municipal de vigilância por videomonitoramento, presença de guardas nos logradouros públicos, além de ocupação imediata, por parte da prefeitura, de todos os locais que se prestem a acomodar moradores de rua, inclusive prédios e residências abandonados por seus proprietários. Houve também a sugestão de copiar o atual modelo das Fazendas Esperança e adaptá-lo para moradores de rua e viciados.
O secretário municipal de Segurança, sargento Mesquita, ao se manifestar no encontro, mesmo reconhecendo que se trata de uma questão social delicada, não vê maiores dificuldades para que ela seja enfrentada com efetiva objetividade. Segundo ele, em passado recente o Balneário Veneza, um dos cartões postais de Caxias, vivenciava uma realidade parecida, sendo palco de festas desregradas, prostituição infanto/juvenil, homicídios, uso de paredões de som, dentre outros problemas que atemorizavam usuais frequentadores e visitantes, e hoje, por meio de ações coordenadas com firmeza por diversos órgãos do município, é uma questão superada. Ele lembrou que a mesma ação foi testada com êxito na estação rodoviária de Caxias.
Pode até ser que um criterioso trabalho de cadastramento e de acompanhamento dessas pessoas pelas autoridades, o funcionamento de albergues, venha a desestimular a atividade no município, uma vez que seus usuários demonstram não gostar de orientação e são pouco afeitos a disciplina. E assim, quem quiser passar um tempo em Caxias teria forçosamente que se condicionar a isso, para seguir recebendo os benefícios dos bons programas municipais colocados à disposição, enquanto o panorama econômico do país não melhorar o grau de oportunidades para essa população identificada hoje em marginalidade social.
Enquanto isso, nossos vereadores e demais autoridades, se querem mesmo ir além da pauta de discussão da matéria, poderiam também aproveitar melhor o tempo dando uma olhada nos anais da VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, realizada pela UFMA em agosto de 2015, através da qual vários mestrandos e doutorandos expuseram seus trabalhos acadêmicos abordando artigos dentro da temática da supracitada audiência pública. Como sugestão, dentre outros, os trabalhos “A Assistência Social e a Política para a População de Rua em Teresina/PI” e “Desafios para a atenção integral aos usuários de drogas nas ruas de Iguatu/CE: Entre a precarização e fragmentação e à expansão da rede de cuidado”.
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