A expressão “mentira tem perna curta” costuma ser voz corrente na opinião pública, a pretexto de afirmar que enganos, falsidades e fraudes devem ser entendidos como manifestações passageiras na vida de uma comunidade, inclusive passíveis de imediata retratação, a bem da verdade.
Tais situações antigamente eram propagadas aos quatro ventos apenas pelo uso da palavra, e mesmo assim iam muito longe, cruzavam as fronteiras dos municípios, dos estados e até dos países, até perderem força e se diluírem no tempo e no espaço.
Mas hoje, com o desenvolvimento das tecnologias que ultrapassam o alcance dos tradicionais meios de comunicação, o ato irresponsável, repulsivo ou de mero gracejo chega a alcançar todo o globo terrestre, ao ponto de ser quase impossível fazer cessar seus efeitos, já que se move como as penas de uma ave depenada lançadas ao vento, que jamais haverão de retornar na sua totalidade ao seu lugar de origem, sempre a expandir-se sem interrupção.
A reflexão está por conta da disseminação da notícia da doença da urina preta (Síndrome de Haff), que para muita gente, assim como ocorreu em dois casos de pouca repercussão no interior do Pará, resultado de extração natural, estaria na iminência e mesmo presente nos peixes produzidos nos criatórios particulares do município, provocando temor em meio aos consumidores, ao ponto de não se ver as pessoas comprando peixe ultimamente.
Fosse somente uma ilação ou uma brincadeira de mau gosto, o caso poderia vir a ser superado rapidamente. No entanto, o temor tem levado a um comportamento de tal gravidade, que já prejudica o funcionamento de toda uma cadeia econômica altamente produtiva em Caxias, destruindo empreendimentos, esquemas de distribuição e desempregando centenas de trabalhadores no município.
A coisa é tão séria que, mesmo em época de inflação crescente, na qual o preço dos alimentos, como a carne bovina, a de frango e a de porco estão subindo assustadoramente, não só nos supermercados, nas mercearias, mas também nas feiras livres, nem assim, apresentando-se como proteína mais saudável e mais em conta ao bolso dos consumidores, o pescado de criatórios particulares consegue lugar nas sacolas de compra dos consumidores. E tudo por medo da tal doença da urina preta que até hoje ninguém identificou por aqui.
O poder público, através da Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca, Abastecimento e Agronegócio e a Vigilância Sanitária, a Câmara de Vereadores, já ofereceram à comunidade a informação de que não existe a presença da tal síndrome em Caxias. Mesmo assim, a mentira segue encravada no imaginário popular dos caxienses, porque praticamente ninguém está comprando peixe na cidade.
Até semana passada, um solitário vendedor de tambaqui e outros pescados frescos que estabelecera um ponto móvel na avenida Santos Dumont ainda resistia estoicamente, pronto para atender a clientela que antes fazia fila no local, sobretudo nos dias da feira livre do bairro Seriema e nos fins de semana.
Hoje, quem passa pela avenida observa que o local da tradicional venda de peixes está vazio, pois o trabalhador cansou de esperar pelos clientes e de gastar com transporte e gelo. Como está sobrevivendo, sustentando a família, ninguém sabe.
Impressionante é constatar que muitas pessoas se deixam levar facilmente pelo bombardeio das fakes news que se inserem a todo momento através das mídias sociais, levando a vida sem raciocinar sobre o que é certo e o que é errado. Até a vacinação contra a covid-19, que vem reduzindo a pandemia no mundo, ainda chega a ser questionada por causa de fakes negacionistas ou de cunho ideológico.
E o paradoxo de tudo é que a internet, meio que permite à população mundial se abastecer de todo o tipo de informação para o bem-estar individual e de todos, seja espaço também para mau uso de interesses escusos, como está ocorrendo com a discriminação de venda de peixes em Caxias.
Incrível as pessoas não se darem conta que não há um único caso dessa síndrome no município, ignorarem os especialistas e não perceberem também que estão sendo manipuladas a gastar o suado dinheirinho em alimentos mais caros que corroem os seus rendimentos.
Realmente são tempos pandêmicos, desnorteantes e de triste memória estes que estamos vivendo. Em pleno século 21, muito melhor abastecidas de esclarecimentos, e as pessoas ainda se deixam surrupiar por mentiras que lhe esvaziam os bolsos.
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