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Sílvio Cunha

Caxias, Política e Sociedade

Extremistas precisam de ajuda


Havia dito para mim mesmo que não ia mais tocar no assunto, a respeito da psicose extremista que se estendeu sobre o povo brasileiro nos últimos quatro anos e dividiu o pensamento de nossos cidadãos, em relação à democracia, que não é o melhor sistema político, mas o único que se sobrepõe aos demais, se consideramos conviver civilizadamente. Contudo, um artigo da BBC NEWS Brasil em São Paulo, escrito pela jornalista Julia Braun, publicado no UOL, despertou-me a curiosidade sobre o fato, e resolvi republicá-lo aqui, para melhorar o esclarecimento dos leitores a respeito.

Do meu ponto de vista, embora muita gente discorde por causa do seu modo cínico de se expressar, endosso o pensamento do escritor, jornalista, romancista, teatrólogo e cronista de costumes e de futebol brasileiro Nelson Rodrigues (1912-1980), que por meio de suas obras fez críticas a certos hábitos, mostrando o lado grotesco do pensamento das pessoas, certos comportamentos da sociedade brasileira, e vaticinou que chegaria o dia em que os idiotas irão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade, ao ponto de aos pensadores só restar a condição de ficarem calados. E se NR tivesse visto como as pessoas de hoje preferem mais trocar mensagens pelo smartphone a uma boa leitura, pesar melhor as informações que lhe chegam sem checagem a toda hora, com certeza estaria convicto do estrago que tal comportamento faz à mente de cada usuário desse sistema, ao ponto de muitos serem rotulados atualmente como extremistas, a exemplo dos que seguem a regra do líder que reza na cartilha dos que imaginam que a vida é uma grande conspiração.

Contudo, como o artigo abordou a questão do ponto de vista científico, creio que a matéria é bastante esclarecedora para entendermos o que se passa na mente de uma pessoa que pensa de forma extremista, que, em verdade, mais do que ser confrontada, precisa de orientação e de ajuda para retomar sua vida, liberta dessas cruéis amarras que lhe amarguram a alma. Confira, nas linhas abaixo, o artigo, que se inicia com as seguintes perguntas: “Homem na Lua? Fraude Eleitoral? Como a psicologia explica crença em teorias da conspiração”.

     Julia Braun - Da BBC News Brasil em São Paulo – (23/01/2023 08h46)

O que leva alguém a crer em narrativas que preveem complôs ou sugerem tramas secretas? Após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de outubro de 2022, apoiadores do ex-presidente inconformados com o resultado passaram a alimentar a expectativa de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tomaria posse.

Diversas teorias sobre o que poderia acontecer passaram a circular nas redes sociais. Algumas mensagens previam a prisão de Lula antes da cerimônia de transmissão do cargo, enquanto outras confabulavam sobre um golpe militar em planejamento — algumas postagens anunciavam, inclusive, que as Forças Armadas já estariam nas ruas.

Mas nada do que foi relatado se aproximava minimamente da realidade. Da mesma forma, as várias teses sobre fraude nas urnas, encorajadas em diversos momentos por autoridades do próprio governo, não passavam de teorias da conspiração.

Parte dos internautas que compartilham esse conteúdo e se recusam a aceitar o resultado do pleito foi mais além.

Eles organizaram protestos e acampamentos diante de quartéis em vários Estados para instar os militares a impedir a posse de Lula — e protagonizaram as cenas de violência do último domingo (8/1), quando invadiram e depredaram os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília.

Em novembro, viralizou ainda um vídeo em que alguns desses militantes atribuíam ao programa de estudos geofísicos americano Haarp (High Frequency Active Auroral Research Program) — criado pela Força Aérea e Marinha dos EUA e a Universidade do Alasca — uma tentativa de boicotar os atos golpistas ao alterar o clima e fazer chover em seu acampamento.

O Haarp é frequentemente alvo de boatos e teorias conspiratórias — não só no Brasil, como também no exterior —, que classificam o projeto como uma espécie de arma usada para a criação de tempestades, furacões ou terremotos ao redor do mundo, às vezes com fins políticos e eleitorais. As especulações foram tantas que as Forças Armadas americanas deixaram o programa em 2014.

E não é incomum que as pessoas propagando essa ideia também desconfiem de outras teses científicas, acontecimentos mundiais e decisões políticas, tal como a origem da vacina contra covid-19.

Mas, afinal, o que leva alguém a crer em narrativas que preveem complôs ou sugerem tramas secretas como essas? E como a psicologia explica a relação entre crenças tão distintas, como a teoria de que a eleição foi manipulada, a ida do homem à Lua foi encenada e outras tantas que circulam no meio conspiratório?

Busca por respostas - A psicóloga Karen Douglas, professora da Universidade de Kent, no Reino Unido, se dedica há anos ao estudo desse tema. Segundo ela, as pessoas são atraídas por teorias da conspiração quando uma ou mais necessidades psicológicas são frustradas.

"A primeira dessas necessidades é epistêmica, ou seja, a demanda por sempre conhecer a verdade e ter clareza e certeza sobre as coisas", explica Douglas à BBC News Brasil.

"As outras necessidades são as existenciais, ou aquelas que estão relacionadas à busca por se sentir seguro e ter algum controle sobre o que acontece ao nosso redor; e as sociais, que estão relacionadas à necessidade de manter nossa autoestima e nos sentirmos positivos em relação aos grupos a que pertencemos."

"Isso significa que qualquer um pode ser vítima de teorias da conspiração se suas necessidades psicológicas não forem atendidas em um determinado momento", observa.

Justamente por isso, muita gente tende a buscar respostas e uma suposta sensação de segurança nas teorias da conspiração em momentos de maior instabilidade, como durante a pandemia de covid-19 ou em eleições extremamente polarizadas.

Uma série de estudos mostram ainda que as explicações fornecidas pelas tramas especulativas às vezes satisfazem mais as necessidades por explicação do que fatos concretos e elucidações científicas.

Isso porque, segundo Douglas e outros estudiosos, para muita gente, apenas grandes causas e teorias podem explicar fatos que desencadeiam um forte impacto em suas vidas — quando, na verdade, muitos dos acontecimentos têm causas mundanas ou de pequena proporção.

Da mesma forma, muitas pessoas possuem inclinações a identificar padrões baseados em eventos passados, sem que haja nenhuma base para sustentar algum tipo de repetição ou tendência futura.

'Mentalidade conspiratória' - Existe, porém, uma outra corrente da psicologia que defende que alguns indivíduos tendem a acreditar mais em teorias da conspiração do que outros.

Trata-se da chamada "mentalidade conspiratória", que é entendida quase como um traço de personalidade que, quando presente, faz com que seu portador tenha maior tendência a acreditar em novas teorias. 

"Essa teoria foi testada de diversas formas, e os estudos mostram que a melhor forma de prever se alguém vai acreditar em uma teoria da conspiração, é se ela já acredita em outras", diz Quassim Cassam, professor da Universidade de Warwick, no Reino Unido, e autor do livro Conspiracy Theories ("Teorias da Conspiração", em tradução livre). 

Segundo o especialista, a discussão sobre a origem dos traços de personalidade, e inclusive da "mentalidade conspiratória", é bastante controversa.

"Mas, de forma geral, os estudiosos do tema acreditam que sejam determinados por uma combinação entre genética e ambiente", explica.

"Ou seja, uma pessoa pode nascer com uma predisposição a acreditar em teorias da conspiração e ver a mesma ser fortalecida ou enfraquecida pelo ambiente em que se desenvolveu."

Para Cassam, a hipótese que relaciona a tendência de acreditar em teorias da conspiração a necessidades psicológicas falha em explicar por que algumas pessoas se envolvem muito mais com as teses do que outras.

"Todos nós temos essas necessidades em alguns momentos, então por que só alguns entram no mundo das conspirações?", questiona.

O filósofo afirma, porém, que é importante avaliar também os aspectos políticos. Segundo ele, a identificação com algum espectro político pode influenciar em que tipo de teoria da conspiração uma pessoa acredita.

"De forma geral, as pessoas tendem a acreditar nas teorias da conspiração que apoiam ou expressam suas próprias ideologias políticas", explica.

"No Brasil, por exemplo, a grande maioria das pessoas que acreditam que houve fraude nas eleições são apoiadoras de Jair Bolsonaro. Essa teoria se encaixa perfeitamente em um discurso político e é usada como uma arma no debate".

Segundo Joseph Uscinski, cientista político especializado na área, o uso de teorias da conspiração ou narrativas falsas com fundo especulativo é bastante comum no universo eleitoral.

"Costumo dizer que teorias da conspiração são para os perdedores", diz o professor da Universidade de Miami, nos EUA.

"Sempre houve quem tentasse usar acusações de fraude para reverter a derrota, mas isso está se tornando mais comum atualmente."

E para Uscinski, alegações como essa ganham ainda mais força e são mais prejudiciais quando difundidas por líderes políticos com influência para convencer parte da população de suas ideias.

"Não creio que as pessoas estejam mais conspiratórias atualmente do que no passado e nem há evidências para acreditar nisso. Mas, cada vez mais, líderes políticos estão usando retóricas conspiratórias e populistas para atrair apoiadores."

'Dissonância cognitiva coletiva' -  O escritor e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) João Cezar de Castro Rocha estuda há alguns anos o fenômeno das teorias da conspiração e desinformação no Brasil.

Para o especialista, há no país hoje um contexto bastante particular e propício para a disseminação de teorias da conspiração.

Castro Rocha chama o cenário atual de "dissonância cognitiva coletiva", um termo criado por ele para descrever a crença de alguns grupos em teorias conspiratórias que distorcem o contexto político brasileiro.

"Existem hoje no país centenas ou milhares de pessoas presas 24 horas por dia e sete dias por semana em um sistema bolsonarista de informação que basicamente criou uma realidade paralela", diz ele.

O professor explica que, no Brasil, há ainda uma diferença importante entre o que pode ser classificado como teoria da conspiração e as chamadas fake news.

"Fake news são mentiras empregadas retoricamente para obter um efeito político. Elas geralmente partem de uma verdade e a distorcem, não são totalmente delirantes."

"Já as teorias conspiratórias são algo mais complexo, são um conjunto dessas fake news organizado de modo a expressar uma certa visão de mundo, que geralmente é lacônica, demoniza o outro e é intolerante a qualquer tipo de diversidade", observa.

Para Anthony Lemieux, professor da Universidade do Estado da Geórgia, nos EUA, e especialista em movimentos extremistas, esse é um ponto importante das teorias conspiratórias: elas costumam estabelecer uma rivalidade entre dois grupos opostos.

"Há um longo histórico de grupos que criam uma espécie de separação dos demais, sempre 'nós versus eles'. Mas atualmente esses grupos estão se tornando mais transnacionais e emergindo cada vez mais", avalia.

"O mundo está caminhando para os extremos e, com isso, discursos e retóricas conspiratórias estão ganhando mais espaço."

Como ajudar alguém que crê em teorias da conspiração? Para quem tem parentes, amigos ou conhecidos envolvidos com teorias da conspiração, especialistas elaboraram ao longo dos anos algumas orientações que podem ajudar.

Todos recomendam, primeiramente, sempre tratar as pessoas com respeito e calma, lutando contra qualquer impulso de desdenhar delas ou questioná-las de forma agressiva.

É interessante incentivar o pensamento crítico sobre as fontes de informação. Pessoas que acreditam em teorias da conspiração tendem a demonstrar ceticismo em relação às fontes oficiais.

Uma boa tática é tentar ajudá-las a aplicar essa mesma desconfiança aos meios de informação, postagens e "especialistas alternativos" que acompanham.

Às vezes, as perguntas também podem ser mais eficazes do que as afirmações, dizem os especialistas.

"Focar nas táticas e técnicas usadas pelas pessoas que promovem a desinformação é uma forma mais eficaz de abordar essas conversas do que tentar desmascarar as informações", afirmou à BBC Claire Wardle, da First Draft, organização sem fins lucrativos que luta contra a desinformação.

Porém, os estudiosos do tema sempre advertem que é preciso calma, já que para aqueles que confiam de forma profunda nas teorias de conspiração, deixá-las de lado pode ser um processo bastante longo.

"Seja realista sobre o que você pode alcançar", disse o psicólogo Jovan Byford, professor da Open University, à BBC.

"As teorias da conspiração incutem nos crentes um senso de superioridade. É um importante gerador de autoestima, o que os torna resistentes a mudanças."


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