Caxias-MA 24/11/2024 02:09

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Sílvio Cunha

Caxias, Política e Sociedade

A democracia não pode ser descartada


Admitidos em clima de licenciosidade pelas autoridades federais e o governo do Distrito Federal à frente de quartéis militares por todo o mês de dezembro passado, assim como na maioria dos estados e cidades, onde estiveram sendo convencidos de que a democracia e a justiça brasileira estão contaminadas pela corrupção eleitoral e pela ideologia do comunismo, os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro saíram do compasso de espera em que se achavam, no último domingo (08), em Brasília (DF), e aos milhares invadiram a Praça dos Três Poderes, depredando as instalações do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto. 

A arremetida, considerada como uma tentativa de golpe contra a ascensão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva ao terceiro mandato na presidência da República, foi assistida com estupefação pela população do país, que ficou envergonhada ante a ampla divulgação dos fatos inomináveis perpetrados na capital federal , assim como os demais países democráticos do mundo, estarrecidos pelo que aconteceu à jovem democracia brasileira.

As nações do mundo, após o resultado das últimas eleições presidenciais,  pensavam que o Brasil respirava liberdade e tinha um governo amparado por alianças, legitimamente eleito pela maioria do seu povo, com resultado das urnas homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e com presidente empossado incontestavelmente dentro dos trâmites legais; agora, ninguém tem mais dúvida do que é capaz o despreparo e o inconformismo  que esteve à frente do país nos últimos quatro anos, que, em detrimento das responsabilidades e averso às demandas da população, prometeu e cumpriu ao país uma invasão aos poderes da república muito superior ao que aconteceu à sede do Capitólio norte-americano,  em Washington, a capital dos Estados Unidos da América, convocada pelo derrotado ex-presidente republicano Donald Trump, seu modelo de homem público e de patriotismo.

No momento em que o novo governo traça estratégias para reverter a inflação e o descalabro administrativo em todos os níveis instalado nos quatro anos passados, situação capaz de estagnar a vida da população brasileira e a participação de seus empreendimentos econômicos mundo afora, fatores da economia vitais para a nação, estão aí os golpistas intitulados bolsonaristas insuflando cidadãos incautos aos milhares, bradando por uma intervenção das forças armadas que lhes restituam o poder perdido pelo voto da maioria do eleitorado brasileiro. 

Como o empenho de reeleição foi ao máximo, inclusive com uso no segundo turno de recursos federais que não poderiam ser gastos sob pena de desestabilizar o país, o que se assiste agora é a presença de um delírio que se projeta como se o país fosse um tabuleiro de jogo no qual um dos oponentes, ao sentir a possibilidade de derrota, previu variados estratagemas para seguir, como se diz, vivo na jogada. Aliás, como todo jogador que sabe que pode perder, a estratégia sempre foi a de preparar terreno para, numa eventual derrota, direcionar a razão a pretensos culpados de plantão, como, por exemplo, questionar a lisura das urnas eletrônicas, ou as decisões da justiça; e tudo começou a partir de 2018,  já fazendo projeção de ter que enfrentar uma candidatura mais preparada em 2022, pois seria muito melhor que isso não acontecesse.

Felizmente o golpe não se concretizou e o poder central tomou as rédeas do governo, mandando prender e processar quem foi flagrado nos atos de depredação do patrimônio da nação, e o trabalho visa também identificar e processar todos os seus financiadores. Mais atenta, a nova gestão passou a agir sobre todo tipo de ameaça a instalações públicas em todos os rincões do país, e até acionou colaboração internacional, para não ser surpreendida novamente por fatos como os que ocorreram em Brasília. A Polícia Federal e o serviço de inteligência também estão a postos para intervir à menor ameaça às instituições e aos direitos da cidadania em qualquer lugar do território nacional.

Nos últimos dias, tomadas de providências das autoridades afastaram o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por 90 dias, destituíram o secretário de Segurança do Distrito Federal, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, a quem o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou prisão; também o comandante da Polícia Militar do Distrito Federal foi destituído e levado sob custódia, e há notícias que muitos financiadores já estão identificados e com seus bens indisponíveis para honrar os prejuízos na Praça dos Três Poderes, assim como centenas de pessoas estão passando por investigação na Polícia Federal. Na casa de Anderson Torres, por exemplo, a polícia federal encontrou a minuta de uma proposta de decreto para anular a vitória de Lula nas eleições.

Concedendo entrevista sobre o episódio, o general da reserva Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro nos primeiros dias daquela gestão,  não teve dúvidas ao afirmar que  se o presidente tivesse se manifestado logo depois da eleição, como presidente que ainda era, ele poderia ter trazido mais calma para esse público de apoiadores, o que daria mais estabilidade ao país;  mas preferiu passar dois meses sem falar nada e, de quebra, ainda foi embora durante seu período de governo.

O general também chamou a atenção para a força das fake news difundidas nas redes sociais. Para ele, o governo empossado tem o trabalho de discutir como agir em relação às notícias falsas, evidenciando que a desinformação é o principal método entre os grupos de apoiadores de Bolsonaro. Textualmente, ele frisou: “Faz muito tempo em que no Brasil há uma tolerância da irresponsabilidade, devido a uma sensação de impunidade por parte da população. Há um volume imenso de fake news, algo criminoso, em que também não há providência nenhuma. Esse acúmulo de irresponsabilidade fez com que chegássemos a esse ponto, onde as pessoas acham que a liberdade é algo sem limites”.

Assim, dá para imaginar as consequências provocadas por fatalidades que viessem ocorrer nessas manifestações antidemocráticas; porque a verdade é só uma: quem projetou esse tipo de caos o fez com a intenção de usar pessoas como bois de piranha, no intuito de levar as forças armadas a derrubarem um governo legalmente eleito pela maioria do eleitorado brasileiro. 

Há que se observar que a vitória presidencial de 2022 foi uma decisão da maioria dos eleitores, no interesse de colocar no poder quem fosse da sua predileção, e assim substituir o que não vinha atendendo a seus anseios. Simples, assim, pois mesmo pressionados pela classe política no poder, a resposta foi no mesmo nível da vitória do presidente Joe Biden, nos EUA; apertada, mas inquestionável, mesmo com todo tipo de artimanhas e mentiras, na tentativa de superar os seis milhões votos de vantagem alcançados por Lula no primeiro turno.

  Mudar a atual realidade, se as coisas não caminharem bem pelos próximos anos, é um direito que todo cidadão brasileiro tem, através do voto; contudo, se queremos continuar sendo vistos como membros de uma nação civilizada, isso só ocorrerá dentro do processo democrático, pois é só ele que premia com a força do voto a quem atende às aspirações populares. 

A reeleição de Lula, após superar o calvário a que esteve submetido na vida pessoal e política, sendo inclusive aprisionado por 580 dias, não foi uma vitória erigida por um sistema, como algumas pessoas fazem supor, mas a vontade da maioria dos brasileiros, uma vontade nascida da empatia contra a distribuição de favores e de recursos da nação para arrebanhar votos. 

E pensar nos muitos religiosos que foram iludidos em sua boa fé por aqueles que visavam se perpetuar no poder, hereticamente se utilizando da palavra de Deus para massacrar seus oponentes, que são também seus filhos. Sim, porque para muitas pessoas a vitória total só poderia acontecer com a erradicação dos contrários, o que é radicalmente contrário ao que está no novo testamento, através do qual Jesus nos legou o culto do amor aos semelhantes. Por obra de Deus, ninguém perdeu a vida na Esplanada dos Ministérios de Brasília. 

País gigante, maior economia da América latina, dono de enormes recursos naturais, inclusive sustentáveis, agropecuária invejável, o Brasil não pode continuar a se apresentar às outras nações como um lugar onde as pessoas fazem fila para comprar osso; onde a maioria dos jovens, sem oportunidades, serve de aviãozinho para narcotraficantes enriquecerem; onde o salário mínimo é muito baixo e prevalece altíssima desigualdade social. Só para dar uma ideia da média salarial líquida que é paga ao trabalhador nos países mais ricos do mundo, na Noruega, o salário está em R$ 16.721,00; na Dinamarca, R$ 15.456,00; na Suécia, R$ 12.000,00. Aqui, no Brasil, uns parcos R$ 1.320,00 irão para o bolso do trabalhador, a partir deste mês de janeiro. 

Essa é a realidade que precisa ser modificada em relação ao nosso país, pois no momento em que o mundo inteiro dá vazão a temas caros para a espécie humana, como valorização do clima, pauta de economia sustentável, geração de energia e de produção com baixo carbono, e até já se passou a falar em energia por fusão nuclear - muito mais poderosa e eficiente, sem emissão de carbono, geração de lixo tóxico nem insumos radioativos, e praticamente sem riscos de explosão e contaminação -, o que se ouvia, nos últimos quatro anos, era fala no retorno de uma nova serra pelada na Amazônia, incentivo a desmatamento para cultivo de comodities agrícolas, além de exploração sem controle de madeiras nobres e de peixes na grande floresta. Por conta desse modo de pensar, o país chegar a perder bilhões de reais de ajuda internacional.

Quer dizer: um pensamento econômico que só vinha contemplando o investidor que já tem muito dinheiro no banco, o narcotraficante lavando dinheiro, sem distribuição da riqueza para o resto da sociedade. Afinal, esse modelo econômico e a pandemia contribuíram também para o fechamento de indústrias que empregavam o povo, levando muitos trabalhadores a perigosos périplos à procura de trabalho fora de suas regiões de origem.

  Por isso, refletindo sobre tudo, vale endossar as palavras do estadista inglês Winston Churchill, em 1947: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Já imaginou se tal processo continua por mais quatro anos?!! Felizmente, pudemos ainda usar nossa democracia, porque a ideia era substituí-la por nova constituição draconiana e tirânica, que roubaria a liberdade da cidadania.

Mais sobre o tema, confira na coluna de 10/01/2023, escrita pelo grande democrata, o ex-presidente José Sarney.

 “A reação do Estado tem que ser de absoluta serenidade, mas também de severidade”

Por José Sarney

Estarrecido, o Brasil assistiu, no domingo, ao primeiro ataque simultâneo aos Três Poderes. Nossa História tem alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve qualquer movimento que se parecesse com a selvageria do bando de arruaceiros que atingiu agora o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

A Assembleia Constituinte e Legislativa de 1823 foi fechada por militares a mando do Imperador na “Noite da Agonia”, no dia 12 de novembro. No 7 de abril de 1831 Dom Pedro abdicou em meio a grande agitação pelas ruas do Rio de Janeiro, mas embarca para o exílio sem qualquer palácio invadido. O Paço Imperial foi ocupado durante a Proclamação da República — aliás, sem a participação do Marechal Deodoro. O que o Presidente Deodoro fez foi mandar invadir, em 1891, a Câmara e o Senado. Na revolução de 1930 Getúlio recebeu pacificamente o Palácio do Catete, e, já ditador, resistiu ao ataque dos Integralistas contra o Palácio da Guanabara. A reação de Vargas foi dura, e vários dos oitenta homens que participaram do ataque foram depois fuzilados. A saída do ditador, em 1945, foi concertada com os militares e um avião da FAB o levou a São Borja. Durante o regime militar de 1964 uma tropa entrou no Congresso Nacional para retirar o Presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso, e os deputados que, com ele, resistiam à decretação de recesso em outubro de 1966.

Há alguns anos vândalos tentaram invadir, sem sucesso, o Congresso Nacional, mas os danos foram de vidraças quebradas durante sua contenção.

Nenhum desses episódios se compara com o que aconteceu neste triste 8 de janeiro. Para começar, as ameaças à democracia e aos Três Poderes vieram se adensando ao longo de meses, até culminar, depois das eleições, em inúmeros acampamentos de pretensos patriotas junto a quartéis por todo o País. Já por mais de uma vez esses grupos haviam tentado invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Sabia-se, assim, da gravidade da situação.

Espantosamente, o maior grupo se formou diante do Forte Apache — Forte Caxias —, Quartel-General do Exército Brasileiro. Dali saíam em excursões pela cidade, sempre criando mal-estar, até culminar, no dia da diplomação do novo Presidente da República, em grandes depredações no centro de Brasília, concentrando-se o ataque na sede da Polícia Federal. A impunidade dessas violências foi preocupante.

Com a posse do Presidente Lula os episódios pareciam superados. Com o aproximar-se do fim da primeira semana do novo governo, no entanto, começaram novamente as convocações cifradas na internet. Apesar dos avisos, as forças policiais do Governo do Distrito Federal e da União foram surpreendidas com a movimentação agigantada e violenta.

Infelizmente o que se viu foi a polícia escoltar os grupos numerosíssimos que se dirigiam à Praça dos Três Poderes. Em tese a praça estava vedada a manifestações, mas houve apenas uma ridícula linha de policiais no meio das vias asfaltadas, deixando a massa inundar o gramado até assaltar o Congresso Nacional e, depois, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Começou então a destruição: plenários, salões nobres, gabinetes, todos os símbolos do Estado.

Qual era o objetivo dos terroristas? A destruição pela destruição? Não faz sentido. A ideia era evidente e muitas vezes verbalizada: provocar a intervenção das Forças Armadas, em total contradição com suas funções constitucionais. Felizmente prevaleceu o compromisso assumido pelos militares com seu juramento de defender o País.

A reação do Estado tem que ser de absoluta serenidade, mas também de severidade. O Estado tem o monopólio da força, e deve exercê-lo. Os arruaceiros têm que ser levados à Justiça e sofrer as penas previstas na Lei. Os responsáveis, estimuladores e financiadores, têm que ser identificados e, da mesma forma, punidos.

Temos, também, que melhorar nossa legislação em relação aos discursos antidemocráticos. A liberdade de expressão deve ser plena, mas o Estado de Direito não pode permitir a apologia de sua destruição. Com a legislação correta, os terroristas não teriam chegado até às cenas tristemente inesquecíveis da destruição das sedes dos Três Poderes.


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