Há cinco dias do término do segundo turno da eleição presidencial, na qual o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito para um terceiro mandato ao cargo mais alto da esfera política do país, a Presidência da República, e o que se vê e ouve pelo Brasil afora é o coro incessante de parcela da população que ainda não caiu em si para aceitar a derrota. Caminhoneiros e manifestantes ora bloqueiam rodovias, prejudicando o abastecimento das comunidades, ora se postam diante dos quartéis militares, na esperança de que um golpe da caserna venha modificar o resultado da eleição, se possível anulando-a a seu favor e mantendo o presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) no poder por mais quatro anos, conforme a cartilha exaustivamente pregada no seio dos partidários bolsonaristas desde a sua eleição, em 2018.
Em verdade, parece que essa foi a tese que o grupo de Bolsonaro cultivou desde que o líder ascendeu ao poder ajudado pela Operação Laja-Jato, que não só defenestrou o Partido dos Trabalhadores do poder, mas trancafiou seu líder máximo numa cela carcerária por vários meses. E se, em 2018, foi muito bom saber que ele não participaria da disputa, Lula uma figura conhecida contra um obscuro deputado Bolsonaro, entender depois que o petista poderia estar novamente na disputa, em 2022, figurava como um despertar apavorado de um pesadelo funesto.
A ideia do pesadelo funesto pode ser explicada pelo fato dos juízes e procuradores à frente da Lava-Jato terem cometido inúmeras irregularidades nos processos movidos contra Lula, na ânsia de o condenar e varrê-lo da cena política. Mas faltou-lhes consistência de provas concretas, e sem tais elementos cabais, ele jamais poderia ter sido arrolado em processos da forma como foi. E, sabendo disso, e sentindo a resiliência dos advogados do petista que nunca desistiram de sua defesa, a bússola dos bolsonaristas passou a disseminar influência sobre a população através das redes sociais, dando prevalência à divulgação replicada de milhares de fakes news sobre os brasileiros, em nível jamais presenciado no mundo.
Assim, não foi com surpresa que os analistas políticos logo entenderam a grande jogada do presidente e seus partidários. Primeiro, procurando jogar por terra os preceitos constitucionais do país, cometendo a toda hora ilícitos que, confrontados pela justiça, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a mais elevada corte jurídica do país, davam a entender para os leigos que as decisões em contrário eram fruto de conluio entre os magistrados e o PT; e a coisa foi crescendo a tal ponto que por muito pouco os prédios do STF e do Congresso Nacional não foram invadidos e depredados em Brasília.
Depois, nesse clima de confronto, tipo nós contra eles, veio a campanha eleitoral na qual as peças da disputa foram montadas para restar apenas a disputa entre Bolsonaro e Lula. Com a máquina do poder à toda força, foi articulada a maior operação de caça aos votos pelo país afora, se utilizando dissimuladamente até de um chamado orçamento secreto que distribuiu emendas no valor de bilhões de reais entre os parlamentares alinhados do Congresso Nacional.
Ora, os congressistas são os maiores elos de ligação de uma extensa cadeia que permeia os governos dos estados, as prefeituras, as assembleias legislativas e as câmaras municipais, com o poder de levar os recursos das emendas orçamentárias para onde quiserem e estabelecer o modo das barganhas políticas que tiverem que ser implementadas.
Mesmo assim, o primeiro turno foi ganho por Lula com a diferença de mais de seis milhões de votos sobre Bolsonaro. No segundo turno, agora sob a pressão de assédio eleitoral sobre os motivos mais diversos, do ponto de vista de valores sociais a perspectivas religiosas, para amedrontar o eleitorado, a vitória de Lula, mesmo pressionada, foi de mais de dois milhões de votos. Quer dizer: Lula venceu porque a maioria do povo brasileiro assim decidiu, e foi uma questão simplesmente de consciência e de reconhecimento pelo trabalho que ele já oferecera à nação, principalmente ao contingente dos que continuam desafortunados da sorte.
Como o resultado foi apertado (Lula – 60.345.999 votos (50,90%); e Bolsonaro – 58.206.354 votos (49,10%), um clima de inconformismo se estabeleceu entre muitos perdedores, e chegou ao clímax nesta semana com a promoção de balbúrdia, agressões e proibição das pessoas circularem livremente pelo país; situações em maior número nos estados do sul, onde o bolsonarismo conquistou mais adeptos e é mais acentuado o bairrismo contra outros brasileiros, principalmente os de origem nordestina, talvez pelo fato de Bolsonaro, descendente de italianos, ter mais patrícios no sul, e Lula, nascido em Garanhuns (PE), ser efetivamente nordestino.
Entretanto, o fato agora é que foi dada a largada para a transição no poder em 1º de janeiro de 2023, com o vice-presidente eleito Geraldo Alkmin (PSB) dirigindo as ações pelo lado vencedor, e o ministro da Casa Civil, senador licenciado Ciro Nogueira (PP), pelo lado que perdeu a eleição.
Após um mutismo de 48 horas, certamente ainda abalado pelo resultado que lhe foi adverso no dia 30, o presidente Bolsonaro pediu que seus seguidores suspendam as manifestações pelo país, mesmo se utilizando de um discurso que mantém inflamadas as mentes dos que acreditaram nele, certamente orientado a fazer isso para preservar o seu patrimônio político na extrema direita brasileira e poder pensar num eventual retorno à cena política em 2026.
É preciso admitir que, mesmo sendo de temperamento destemperado e tendo concorrido a muitas infâmias em seu governo, Bolsonaro não é uma pessoa despreparada, já que conseguiu se formar na Academia Militar das Agulhas Negras, de onde sai a elite dos oficiais do Exército Brasileiro. Mas, ao abrir mão de apenas governar, suprir com eficiência as necessidades da nação e seu povo, ele colhe agora o preço de ter enveredado por uma seara política ideológica que o isolou no mundo, pelo menos no contexto das nações ocidentais.
Não obstante, que ninguém se iluda: sem o poder de fato e de direito, não será possível para ele manter a força política que tinha até 30 de outubro passado. Desde o início da semana, já se tem notícia da mudança de postura de muitos parlamentares que marcharam junto com ele nas últimas eleições. E na política é isso: rei morto, rei posto.
Quanto aos inconformados... Bem, o Brasil manteve a sua democracia. É só esperar pela futura contenda eleitoral. Essa é a realidade que, felizmente, predomina no país.
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