Apesar da ainda atuante homofobia, é inegável que dentro do contexto social contemporâneo, existe uma certa "liberdade" para a população LGBTQ+ poder viver como se é, se comparado aos anos 90 - à minha denominação: década do Macho Machista Ogro e Viril (MMOV).
Havia nos anos 90 um escancarado jogo midiático que valorizava a representação do MMOV, fazendo tudo conspirar em favor de o agradar, sendo o mais evidente presente dado à ele, a sexualização do corpo feminino, na relação homem (consumidor) × mulher (produto).
A sexualização do corpo feminino era tratada numa óptica de normalidade e, sem nenhum espanto, criava personagens que emergiam da TV e chegavam até álbuns de figurinhas infantins, onde eram disputadas por crianças, sic: Tiazinha, Feiticeira, dançarinas do É O Tchan, etc. Não esquecendo da 'Banheira do Gugu' que tinha total liberdade de adentrar aos lares nas tardes dominicais.
Para agradar o MMOV, o moralismo era naturalmente suplantado. Enquanto que para o mundo homossexual - principal opositor desse sistema - a situação era bem diferente; restava aos homossexuais a oportunidade de viver um hades na terra.
Sem nenhuma seguridade político-social, nem bem menos, ganho em Direitos Humanos, a identidade dos homossexuais, era resumida à três letras - GLS (acrônimo de Gays, Lésbicas e Simpatizantes). A única função dessa sigla era favorecer uma aceitação mercadológica dos seus, como que dando aval para que o mercado promovesse produtos e serviços específicos à essa classe. Eles, como sempre, só queriam o que hoje nós chamamos de 'Pink Money'. Nada mais!
Vale ser citado que a sigla 'GLS' ainda boicotava o contexto de diversidade sexual dentro do próprio nicho dos homossexuais, resumindo-o à apenas duas condições sexuais (gay e lésbica), ao passo de não muito distante da realidade, sinonimizar erroneamente, os ditos 'Simpatizantes' como gays enrustidos.
Dentro de suas vivências, via de regra, a vida social dos gays era notadamente solitária, isso principalmente entre os seus iguais. Sem referências de outro igual à si, o sentimento de ser diferente ou anatural, tal como um ET no meio dos humanos, tornava-se mais ardente.
Para muitos, o mais seguro a se fazer na década do MMOV era camuflar-se, pois existia uma linha reta entre assumir-se e virar chacota, ponto alvo de preconceito; qualquer sinal de delicadeza em um corpo masculino, era sinal de depreciação, e não muito raro, punição.
Quando muito raramente assumia-se, ou quando fatalmente era pego em uma situação que demonstrava sua condição sexual, ganhava como presente um bullying normatizado. Sim, havia uma chancela social que permitia ofender alguém por ser gay. Dentro de casa, era "a vergonha da família"; na vizinhança, "o viadinho da rua", e na escola, "a boneca da sala".
Tudo isso normatizado de uma tal maneira, que mesmo que não quissesse fazer, um menino hétero tinha por obrigação o "dever" de debochar de outro menino que fosse tido como potencial gay; como se a cada deboche feito, ele ganhasse ponto em sua masculinidade.
A TV além de não ajudar, novamente em busca de agradar o MMOV, colocava em pleno horário nobre o estilo fantoche do "ser gay", em criação "humorizadas" como Alfredinho, Vera Verão (por mais maravilhosa que fosse). E só para fechar com chave de "ouro", ainda entregou ao início dos anos 2000, o Pit Bicha e Pit Bitoca.
E como sabem, nos anos 90, não havia internet, e nem sonho de rede social. Logo, restavam:
.às gays românticas, a Revista Capricho;
.às taradas, a G Magazine;
.às nerds, os Cavalheiros do Zodíaco;
.às poc's, as Space Girls;
.e às amantes por diva, Céline e Mariah;
Nada de Grund ou Tinder. Pra sobreviver na caça ou se tinha o inato 'Gaydar', ou morreria na vontade.
Namoro entre gays, assumido ou não, era mais raro que pedra preciosa. O que mais acontecia era uma sexualização precoce deles, que via de regra sofriam de extrema carência, e por isso, se sujeitavam a transas casuais com "héteros", no estilo "se contar pra alguém, seu viadinho, eu te mato!", ou mesmo, acabavam casando com mulheres, como que entrando em um refúgio protetivo.
Resumidamente, ser Gay nos anos 90: era ofensa, doença, ridículo, perigoso.
Vivenciei essa fase, sei que pouca coisa mudou de lá pra cá. Mas o pouco que mudou vale a pena comemorar. Canto junto com Roberto Carlos que apesar dos pesares "o mundo hoje é bem melhor do que a muito tempo atrás; e as mudanças desse mundo, o ser humano é que faz".
Meu desejo é esse, que embora mude pouco, sempre mude pra melhor!
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