A água é, há milênios, o bem mais precioso que a humanidade possui. Sem ela, não há vida, agricultura, saúde, dignidade. Muitas regiões do mundo convivem hoje com a seca, a desertificação, a escassez e a insegurança hídrica, reflexos de longos processos históricos de má gestão, degradação ambiental e disputas pelo controle dos recursos hídricos. Por isso, onde há fartura de água, rios perenes, chuvas regulares e nascentes abundantes, como em Caxias (MA), esse patrimônio não pode ser tratado como mercadoria ou “moeda de troca”. Deve ser preservado, cuidado e gerido com transparência e responsabilidade, em benefício do bem comum.
É absolutamente inaceitável que governos eleitos (e alguns até impostos), com mandato temporário, pretendam negociar, ceder ou entregar à iniciativa privada um serviço essencial e estratégico como o abastecimento de água e esgoto. A recente aprovação da Lei Municipal nº 2.784/2025 pela Câmara Municipal de Caxias, e o clima de urgência imposto para sua votação, levantam sérios sinais de alerta. A pressa, a falta de debate público, o boicote a audiências populares e o uso de manobras legislativas caminham na contramão da transparência e da participação cidadã que deveriam pautar decisões dessa magnitude.
Vozes da oposição e críticas de cidadãos correm o risco real de terem sido ignoradas ou sufocadas, e isso fere o princípio democrático. Para muitos caxienses e para funcionários do SAAE, o temor é concreto: aumento de tarifas, precarização ou interrupção do serviço e perda de controle social sobre um bem fundamental.
E não se trata de especulação. Há precedentes recentes, tanto no Brasil quanto no exterior, que mostram os riscos da privatização da água e do saneamento. Em um caso clássico — entre tantos que existem — relatado em documentários, reportagens e até em trabalhos acadêmicos, como a tese de doutorado de Matheus Hoffmann Pfrimer, da Universidade de São Paulo, a “guerra pela água na Bolívia” revelou dramaticamente as consequências de entregar o controle da água a consórcios privados: tarifas dispararam, chegando a consumir grande parte da renda familiar; houve protestos massivos, repressão policial; e o contrato precisou ser revertido.
No Brasil, há registros de municípios onde a privatização do saneamento trouxe desabastecimento, contas abusivas, má qualidade da água e queda na cobertura de esgoto. O caso mais recente está bem próximo de Caxias: no município de Paço do Lumiar, nesta semana, a Justiça suspendeu um aumento abusivo na conta de água, e a população demonstra insatisfação com a privatização. Mesmo onde se relata ampliação da cobertura, há forte evidência de que as tarifas aumentam consistentemente. E a experiência de delegar ao setor privado a administração de água e esgoto tem dado errado em vários lugares. Pior ainda: quando isso é feito sem consultar previamente a população, revela um claro e grave desrespeito ao cidadão.
Em muitos casos, a promessa de investimentos e a universalização do serviço não se concretizaram; o que se viu foi redução da transparência, priorização de lucros e, sobretudo, precarização do direito humano à água.
Diante disso, Caxias não pode e não deve seguir esse caminho. A água de nossa terra é patrimônio público, de toda a comunidade. Entregar esse bem a interesses privados significa correr o risco de transformar algo essencial para a vida em mercadoria. Significa abandonar o controle social, abrir mão da soberania hídrica local e aceitar o risco de aumento arbitrário de tarifas, queda de qualidade e insegurança no acesso para as camadas mais vulneráveis da população.
A privatização do SAAE não é apenas um debate técnico sobre gestão; é uma disputa de valores: lucro privado x bem comum. Em um contexto global de escassez, crise climática e desigualdades crescentes, a água deve ser tratada como direito humano fundamental, não como mercadoria. A sociedade caxiense, seus movimentos populares e seu povo, deve resistir, denunciar a manobra, exigir transparência e garantir que a água continue pública, universal e socialmente protegida. Se desistirmos desse princípio, estaremos abrindo mão de nossa soberania hídrica, de nosso futuro e do direito de cada cidadão caxiense à vida digna.
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