A semana foi marcada pelo feriado do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, que este ano veio acompanhado de um ponto facultativo na sexta-feira, criando um feriado prolongado em muitas cidades do país. No entanto, mais do que um descanso a mais no calendário, este é um feriado que carrega um significado profundo, que precisa ser refletido muito além do dia marcado.
O Dia da Consciência Negra não é sobre a pauta de um grupo isolado; é sobre a história do Brasil. É sobre reconhecer a influência, a cultura, a força e, principalmente, as dores que a população negra viveu e ainda vive. É sobre compreender que, embora a escravidão tenha sido abolida há 136 anos, suas estruturas permanecem vivas, ressoando nos corpos, nas estatísticas e nos territórios de milhões de brasileiros.
Segundo o IBGE, 56% da população brasileira é negra (pretos e pardos). Ainda assim, essa maioria ocupa as piores posições em praticamente todos os indicadores: 75% das vítimas de homicídio no Brasil são negras (Atlas da Violência); a renda média da população negra é cerca de 40% menor do que a da população branca; negros são maioria entre desempregados, trabalhadores informais e encarcerados.
Quando olhamos para a educação, o problema também se evidencia: jovens negros têm duas vezes mais chances de abandonar a escola em comparação com jovens brancos.
No Maranhão, o retrato não é muito diferente. Somos um dos estados com maior proporção de população negra do país, mas também um dos que mais sentem as desigualdades estruturais. Os dados do IBGE e do Ipea mostram que a renda média da população negra maranhense ainda é uma das menores do Brasil; a violência letal atinge de forma desproporcional a juventude negra no estado; e a presença de negros em espaços de poder e decisão ainda é muito tímida.
Esses números não existem ao acaso. Eles são a prova de que o racismo estrutural, muitas vezes invisibilizado, continua organizando quem tem acesso a oportunidades, quem tem voz e quem tem segurança para existir.
E, quando estreitamos o olhar para Caxias, percebemos que os desafios são igualmente urgentes. A cidade onde a cultura afro-brasileira se manifesta nas cores, na história, na música e na identidade do povo também é a mesma onde a desigualdade racial se expressa: no acesso desigual à educação, principalmente nas periferias; no número maior de jovens negros vitimados pela violência; na ausência de políticas estruturadas de promoção da igualdade racial; e na baixa representatividade de pessoas negras em cargos de poder político e institucional.
Apesar disso, Caxias conta com movimentos culturais, religiosos e sociais que mantêm viva a resistência e a ancestralidade afro-brasileira. Grupos de capoeira, terreiros, coletivos culturais, educadores e lideranças comunitárias realizam, muitas vezes sem apoio institucional, ações de conscientização, formação e enfrentamento ao racismo. Mas ainda é pouco diante da grandeza do desafio.
O Dia da Consciência Negra precisa ser um convite permanente para que o poder público municipal, estadual e federal transforme discursos em ações. Isso significa investir em: educação antirracista contínua nas escolas; políticas de segurança pública que combatam a violência contra jovens negros; incentivo à cultura afro-brasileira; geração de emprego e renda para as populações periféricas; capacitação e valorização de professores e agentes culturais; e inclusão real da população negra nos espaços institucionais de decisão.
Não se trata de “favor” ou “concessão”. Trata-se de reparação histórica e de construção de uma sociedade que reconheça a si mesma, suas raízes e sua pluralidade.
O feriado passa. As fotos nas redes sociais também. Mas a luta por igualdade, essa não pode esperar mais um ano.
A Consciência Negra precisa deixar de ser uma data comemorativa e se transformar em um compromisso diário de Caxias, do Maranhão e do Brasil. Porque só há consciência quando há coragem para mudar.
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