Canção ao exílio
Na minha terra havia palmeiras e o canto dos sabiás.
nela, exalava o perfume dos jardins urbanos.
dela, ouvia-se a linguagem singela do cotidiano.
com a minha cidade crescia a romântica dos poetas...
A inimizade humana passava por sobre ela
em eólica turbulência rumo às outras plagas,
para derramar-se noutros cenários de ganância existencial.
À minha terra, na infância, ouvia-se sinfonias sabianas
nas manhãs iniciais de um futuro já desenhado ao abandono.
e, agora, quais árvores darão abrigo a outros pássaros canoros
para entoar um canto de saudade?
Personagens
Sou espinho entre rosas
que são belezas no jardim;
abrigo ao pontiagudo perigo
em iminência contínua de ferir...
Sou veleiro errante num mar de calmarias
atracado em porto plácido;
mas, sob pesadelos de ventanias
e ressacas possíveis...
Sou foco que somente resplandece
sob a luz de estrela única;
advinda de céu cinzento
que só se enche de nuvens turvas...
Sou barulho que a se próprio ensurdece;
rendendo-se em sangue esvaído;
às quedas da moldura de carne
que ao álcool retornará...
Sou travessia destinada às mágoas
de mesmice acumulada;
quanto mais existida
mais e mais se embriaga...
Caxias, cachos de flores
Quem amou, verdadeiramente, te chamou de princesa
e quando quiseram arrancar de ti o sumo nobre...
não aceitou beber o cálice com teu sangue
Quem ama, fielmente, te chama de lírica poesia
e quando querem declamar de ti o poema nativo...
atenta para ouvir os versos brancos do teu véu
Quem nunca amará, em verdade,
te trairá sob cunho promíscuo...
e quando quiserem usufruir de ti
a beleza em ônus mercenário...
ofertará a plebe de teu reino
e te deixará órfã de viva natureza...
Limites
Céu,
mira diária do meu cotidiano vertical
onde está a busca credora?
Terra,
palco dos jardins ilusórios da certeza:
esses ingênuos céticos da realidade
desvairada no camarim do teatro infernal.
Refeição da carne
Não cabe ao homem o pão,
não cessa à vontade a sede,
embora,
o trigo e o vinho
dividam o espaço, também,
habitado por vermes.
O último adeus
Nas asas do tempo já cumprido
irei num voo rasante
até a parede da eternidade incerta
para descobrir o que nem fui.
Poema da parição
Mulheres, vacas, éguas, porcas, cadelas
e tantas outras fêmeas mais...
- todas paridas -
enfim,
eis que surgem e se multiplicam
os animais no corpo da terra, mãe.
Dias e noites pandêmicos em Caxias!
Há um aroma de flores caídas no chão das manhãs, tardes e noites dos dias existenciais à pandemia.
...há um ar velórico tal qual o ensurdecedor silêncio de finados sem o badalar dos sinos da Igreja de São Benedito, acordando o segredo de sonhos dos embriagados à solidão dos bares ao entorno da Praça Vespasiano Ramos.
...há uma angustia com sensação de um medo repentino, como se a qualquer hora, por cima das árvores de oitis banhadas pela chuva de lágrimas desse tempo, tudo estivesse por terminar.
...um rasga-mortalha aparece apagando o sol e a lua à eternidade dos nossos dias e noites existentes para o nosso pedido de perdão antes do fim!
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