Caxias-MA 08/07/2025 20:38

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Recanto do Poeta

Salgado Maranhão: a trajetória de um encantador de palavras


Analfabeto até os 15 anos, poeta vem recebendo atenção crescente no exterior e lançará em breve um livro traduzido para o japonês. Nordestino, ama o Rio, onde vive desde 1973. Linguagem mistura o urbano com a vivência do interior.

Por Dayana Resende

O poeta e compositor Salgado MaranhãoFoto: Fábio Seixo / Agência O Globo
O poeta e compositor Salgado Maranhão Foto: Fábio Seixo / Agência O Globo

“Com essa pontualidade, vocês não devem ser cariocas”, brinca o poeta, jornalista e compositor Salgado Maranhão ao abrir a porta do seu apartamento, em Laranjeiras, para receber a equipe do GLOBO. A frase de boas-vindas revela a intimidade com a cultura do Rio de um nordestino que mora na cidade há mais de 40 anos. Por isso, muitas vezes o sotaque maranhense dá lugar ao carioca. E foi a partir desse choque cultural que o poeta, analfabeto até os 15 anos, construiu sua sintaxe, publicou livros e ganhou diversos prêmios.

Filho temporão do comerciante Moacyr dos Santos Costa e da camponesa Raimunda Salgado dos Santos, José Salgado Santos se define como uma mistura de “casa-grande com senzala”, uma vez que o pai pertencia à elite maranhense e a mãe era descendente de escravos. Ele nasceu no povoado de Canabrava das Moças, no município de Caxias, no Maranhão, cidade que foi berço também de autores como Gonçalves Dias e Coelho Neto. Foi criado pela mãe, que se separou do marido afirmando que tinha uma missão com o filho.

Ele não revela que missão era essa — confirma apenas que ela foi cumprida. E lembra que foi a mãe quem, mesmo analfabeta, imprimiu nele o gosto pela música e pela cultura popular.

— Eu me eduquei ouvindo os tambores de crioula (manifestação cultural afro-brasileira existente no Maranhão) e os cantadores repentistas, que minha mãe costumava hospedar na nossa casa. Ela sempre foi uma apaixonada pela cultura popular. A poesia que entrou na minha vida começou aí — lembra.

O acesso ao conhecimento, porém, era muito limitado em Caxias do Maranhão na época. Professores apareciam na região no período de férias apenas para ensinar as primeiras letras. Por isso, a família — Raimunda, Salgado e dois irmãos por parte de mãe — migrou para Teresina, no Piauí. Lá, o poeta descobriu o que chamou de parque de diversões: uma biblioteca. A escassez de áreas de lazer aproximou ainda mais Salgado dos livros, e a alfabetização, que começou tardia, foi concluída em 1968:

Era o que faltava para o poeta iniciar uma vida voltada para a palavra escrita. Ainda na época da alfabetização, Salgado lia, em média, dois livros por semana. Hoje, em seu apartamento em Laranjeiras, as estantes abarrotadas confirmam a continuidade dessa paixão. O escritor não lê menos que quatro obras ao mesmo tempo.

POEMAS LIDOS NO RÁDIO

Ainda no Piauí, onde morou durante quatro anos, o poeta começou a publicar seus textos em jornais locais e a lê-los em programas de rádio. Mas Teresina parecia pequena demais para os seus sonhos. Com o objetivo de ver suas obras em livrarias e fazer contatos com intelectuais — além entrar no mundo da música —, ele um dia deixou a família no Nordeste e se mudou sozinho para o Rio de Janeiro. Chegou em 9 de abriu de 1973.

— Era uma manhã linda. Quando cheguei aqui, sabia que não ia mais sair — lembra.

Ele diz que, na época, eclodia na cidade a chamada poesia marginal. Cinco anos depois, Salgado publicou seu primeiro livro: “Ebulição da Escrivatura: treze poetas impossíveis” — realizando, enfim, o antigo desejo de quando era menino e, morando numa casinha de sapê, imaginava suas palavras transformadas em letra impressa.

Seus poemas têm uma linguagem urbana, influenciada pela vida na metrópole, mas ecoam também os anos passados no interior. Entre os escritores que o influenciaram, estão os conterrâneos Gonçalves Dias e Coelho Neto, além de Camões, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

A poesia de Salgado conquistou a admiração de alguns craques da literatura nacional. É o que atesta um deles, o amigo e também poeta Ferreira Gullar.

— A poesia é, para Salgado Maranhão, como pão e água, ele depende dela para viver — diz. — Trata-se de uma rara mescla de encantador de palavras e artesão exigente.

Do Rio, a poesia de Salgado ganhou o mundo. Ele tem livros traduzidos para línguas como inglês (caso de “Sol sanguíneo”, ou “Blood of the sun”), italiano, alemão e polonês. Agora, está para lançar em japonês sua última obra, “O Mapa da tribo”, com tradução de Felipe Hiro.

— Eu vi meus livros em livrarias importantes lá de fora, expostos como se fossem best sellers — orgulha-se.

Apesar do interesse, Salgado ressalta:

— Poesia não dá dinheiro.

Assim, uma das suas fontes de recursos é a realização de conferências sobre literatura. Uma delas aconteceu justamente na Brown University, onde conheceu o tradutor Alexis Levitin, que acabaria vertendo para o inglês quatro de seus livros. Graças à amizade com Alexis, o poeta foi convidado, em 2012, a fazer uma excursão de três meses pelos Estados Unidos. No total, ele fez palestras sobre literatura brasileira em 52 universidades de 27 estados.

Formado em comunicação social pela PUC, Salgado também diz que atua como consultor cultural. Um exemplo desse trabalho, acrescenta, é a coordenação do Salão do Livro do Piauí.

MAIS DE 50 MÚSICAS GRAVADAS

— Salgado Maranhão é um dos mais brilhantes poetas de sua geração. Um malabarista de palavras. Um prestidigitador de sentidos — diz Ivan, que recorre à poesia para descrever o escritor. — Um encantador de serpentes literárias e libertárias. Um emotivo nato, mato, fato, gato em teto de zinco quente, ardente, semente de seu intenso coração.

Vaidoso, o escritor, nascido em novembro de 1953, não gosta de revelar a idade — “se alguém insistir, diz que tenho quase 60”, pede. Na hora da foto, ele, que já vestia uma blusa social de mangas compridas, escolhe a dedo um blazer preto.

— O perfeccionismo é uma característica do poeta — justifica.


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