Caxias-MA 29/01/2025 17:13

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Wybson Carvalho

Recanto do Poeta

Prefácio do livro: Nauroemcidade


*Paulo Melo Sousa Melo Sousa 

A voltagem verbal de um poeta na cidade e da cidade no homem
 
Foi no início dos anos noventa do século passado que conheci, em Caxias das Aldeias Altas (a Princesa do Sertão), o grande poeta e amigo Wybson Carvalho. Naquela ocasião, o grupo Poeme-se (1985 / 1994), criado em São Luís do Maranhão por mim e por Ribamar Filho, foi convidado pelo também escritor caxiense Renato Meneses para homenagear com uma performance o inesquecível poeta maranhense Nauro Machado, que iria fazer o lançamento de um de seus livros de poesia na Livraria Graúna, de propriedade de Renato.

Além de mim e de Ribamar Filho, também recitaram os poemas de Nauro o ator Elício Pacífico e a atriz Rosa Ewerton. Foi uma noite memorável, com direito a libações que adentraram a madrugada e firmaram sólida e inquebrantável amizade entre mim e os poetas caxienses, dentre os quais meu nobre bardo, “meu cabo de guerra” (como costumava vociferar pelos bares Nauro Machado), o poeta Wybson Carvalho.

Lembro muito bem que, naqueles dias, fomos recebidos na rodoviária de Caxias justamente pelo poeta Wybson, e a primeira parada turística naquela cidade foi na barraca do Fiapu (situada na praça Cândido Mendes, perto da igreja de Nossa Senhora da Conceição, a matriz da cidade), que servia uma cachaça da terra gelada, de primeira qualidade, e que oferecia aos clientes umbu cajá como tira gosto. Toda vez que me encontro com Wybson eu peço notícias do Fiapu e de sua emblemática aguardente. Na oportunidade, a peregrinação pelo berço de Gonçalves Dias continuou pelas mesas do bar do Cantarelle (localizado na praça Vespasiano Ramos, perto da igreja de São Benedito) e demais destinos etílicos da cidade que se orgulha de seus antepassados ilustres, intelectuais como Coelho Neto, Vespasiano Ramos, Teófilo Dias, Teixeira Mendes, Déo Silva e tantos outros.

Sempre fomos, eu e Wybson, muito próximos do poeta Nauro Machado, e em muitos momentos o defendemos dos ataques que o mesmo sofreu durante sua existência na cidade que escolheu para viver os seus dias, São Luís do Maranhão. Nauro teve passagens antológicas na capital maranhense. Certa feita, retornando para casa pela rua dos Afogados, após fazer sua diária visita à casa de sua mãe, que morava nessa rua, e já com muitas libações a lhe ferver o sangue, Nauro atravessou repentinamente a artéria e quase que era atropelado por um carro, que teve que frear bruscamente. O motorista, zangado, botou a cabeça para fora da porta do veículo, e gritou para o poeta: “Você não tem medo de morrer?” Nauro respondeu, sem titubear: “Nem de viver!”.

Essa gana pela vida e pelo que a mesma lhe ofereceu forjou a poesia nauromachadiana. Habitando a cidade e por ela sendo umbilicalmente absorvido ao longo de suas peregrinações etílicas e notívagas pelas ruas estreitas do Centro Histórico de São Luís, assim como no percurso de suas caminhadas silenciosas pela orla das praias da Ilha; locais nos quais gestava e ruminava seus poemas, o poeta se desvelava a si mesmo: “Meu espaço geográfico, restrito à cidade de São Luís, fornece aos poemas que desenvolvo como catarse existencial de temas quase sempre vividos, a atmosfera temporal de uma cidade a internalizar-se na ficção (como diria Fernando Pessoa) biográfica dos meus variados temas. São Luís, queiram ou não queiram alguns críticos desavisados da minha poesia, está transfigurada totalmente nas metáforas que eu diria datadas, dos meus versos”, elucida Nauro Machado.

A razão pela qual o poeta de “Campo sem Base”, “O Anafilático Desespero da Esperança”, “Os Parreirais de Deus”, “Testamento Provincial”, “O Calcanhar do Humano”, dentre tantos títulos de grande valor está sendo lembrado neste momento é pelo fato de que este livro de Wybson Carvalho é todo inspirado em Nauro Machado (um dos poetas que influenciou a poética de Wybson, ao lado de Cid Teixeira e Déo Silva), uma veemente homenagem ao homem e ao poeta que nos deixou em 2015, e à íntima relação entre Machado, São Luís e o próprio autor deste livro.

Este “Nauroemcidade” se nos revela visceral, orgânico, permeado de aspectos plenos de vigor existencial, uma reflexão sobre o universo agônico que sempre marcou a poesia do poeta homenageado. Os poemas de Wybson nascem e se espraiam pelas páginas do seu livro como se a cada verso o poeta Nauro os estivesse proferindo através da catarse verbal de Wybson, que se coloca no lugar de Nauro, como se fosse uma antena poética, uma espécie de alter ego que incorpora o saudoso poeta, persona que adota a sua voz pânica e transfigura em palavras a sua dor de viver e seu espanto diante do absurdo do vazio deixado pela morte do ser.

É o que se captura no poema sentença: “simplesmente existir / ó vácuo estéril e solitário / na insistência do nada”. Desse nada, desse não ser também nasce uma existência, corporificada no poema, como se detecta em outro texto de sua lavra, herança: “materialmente / eu deixarei o nada / resultado de minha não ambição/ pelo abastado triunfo das posses / mas / estarei ainda / entre todas e todos / pois / presente é o ser sem estar no findo estado físico / sendo verbo-poema / ainda”. São belos exemplares poéticos, dentre tantos outros que permeiam esta obra.

Numa dicção como esta, é possível identificar algumas semelhanças com poetas que alicerçaram a poética contemporânea. Intuitivamente me vêm à memória os poemas do poeta persa Omar Khayyam, que celebrou a vida em seus poemas, sem deixar de salientar o efêmero contido no tempo de nossa passagem terrena, aconselhando que se aproveite o momento, a felicidade do instante, o brilho do sopro de vida que cabe a cada um de nós.

Aqui encontramos Wybson evocando Nauro através de Khayyam, em forma de uma prece, através do poema oração ao cio: “dimensão terráquea à fertilidade / para a nutrição da matéria / saciai a fome de nossa idade / e afastai dela a miséria”. Cabe ainda evocar Albert Camus: “tudo o que é perecível deseja durar”. O poeta almeja permanecer através da sua arte, e lança mão do poder de visionário que o artista possui, lembrando William Blake (“se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”). É o que se percebe no poemailação, de Wybson: “alado / mas inerte / almejas o firmamento sobre ti / sem nuvens e sequer um arco íris / então / perpetuarás tua vontade / fincada no teu solo desértico / feito prisão terráquea e infernal”.

A grande exigência com a palavra, que era uma prerrogativa da arte de Déo Silva (1937/1983), grande poeta caxiense que trabalhou como jornalista em São Luís, também está presente no livro Nauroemcidade de Wybson Carvalho, mais empenhado em trabalhar a forma dos seus poemas. Nos versos do livro é possível notar o esforço do poeta para atingir a excelência textual, bem como para direcionar o redemoinho da emoção das suas palavras. Há uma veemência existencial em Wybson Carvalho que instiga, uma intensa voltagem verbal que caracteriza a sua poesia, desde o início, mas que se nos afigura madura neste seu momento atual. Este seu livro, que temos a honra de prefaciar, ousamos arriscar, será um divisor de águas na sua produção poética, e esta guinada irá lhe render, em breve, novos e provocadores frutos.

*Paulo Melo Sousa 
*Poeta, jornalista, pesquisador de cultura popular, membro fundador da Academia Ludovicense de Letras, presidente da Associação dos Amigos do Patrimônio Cultural do Maranhão, Mestre em Ciências Sociais, Comendador do Quarto Centenário, Detentor da Medalha do Mérito Timbira pelos relevantes serviços prestados à cultura do Maranhão.


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