Caxias-MA 13/05/2024 00:52

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Wybson Carvalho

Recanto do Poeta

Gonçalves Dias: A Mendiga


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Et quand vous paraîtrez devant juge austère

Vous direz: J'ai connu la pitié sur la terre,

Je puis la demander aux cieux!

-- Turquety

I

Eu sonhei durante a noite...

Que triste foi meu sonhar!

Era uma noite medonha,

Sem estrelas, sem luar.

 

E ao través do manto escuro

Das trevas, meus olhos viam

Triste mendiga formosa,

Qu'infortúnios consumiam.

 

Era uma pobre mendiga,

Porém, cândida donzela;

Pudibunda, afável, doce,

Amorosa, e casta, e bela.

 

Vestia rotos andrajos,

Que o seu corpo mal cobriam;

Por vergonha os olhos dela

Sobre ela se não volviam.

 

Pelas costas descobertas

Cortador o frio entrava;

Tinha fome e sede, - e o pranto

Nos seus olhos borbulhava.

 

E qual vemos dos céus descendo rápido

Um fugaz meteoro, vi descendo

Um anjo do Senhor; - Parou sobre ela,

E mudo a contemplava. - Uma tristeza

Simpática, indizível pouco e pouco

Do anjo nas feições se foi pintando:

Qual tristeza de irmão que a irmã mais nova

Conhece enferrna e chora. - Ela no peito

Menor sentiu a dor, e humilde orava.

II

De um vasto edifício nas frias escadas

Eu vi-a sentada; - era um templo, diziam,

Secreto concílio de sócios piedosos,

Que o bem tinha juntos, que bem só faziam.

 

Defronte um palácio soberbo se erguia,

E dele partia confuso rumor:

- A dança girava, e a orquestra sonora

Cantava alegria, prazeres e amor.

 

E quando ao palácio um conviva chegava,

Rugindo se abria o ruidoso portão;

Eflúvios de incenso nos ares corriam

Da rua esteirada com vivo clarão.

 

E a triste mendiga ali 'stava ao relento,

Com fome, com frio, com sede e com dor;

E eu vi o seu anjo, mais triste no aspecto,

Mais baço, mais turvo da glória o fulgor.

 

E à porta do vasto sombrio edifício

Um vulto chegou.

- Senhor, uma esmola! bradou-lhe a mendiga

E o vulto parou.

 

E rude no acento, no aspecto severo,

Lhe disse: - O teu nome?

Tornou-lhe a mendiga: - Senhor, uma esmola,

Que eu morro de fome.

 

- Não, dizes teu nome? lhe torna o soberbo

- Sou órfã, sozinha;

Meu nome qu'importa, se eu sofro, se eu gemo,

Se eu choro mesquinha!"

 

- Em vis meretrizes não cabe esse orgulho,

Tornou-lhe o Senhor,

Que à noite, nas trevas, contratam no crime,

Vendendo o pudor.

 

E a porta do templo - erguido à piedade

Com força batia;

Co'o peso do insulto acrescido à crueza,

A triste gemia.

III

Ouvi depois um rodar que a todo o instante

Mais distinto se ouvia; e logo um forte,

Fascinador clarão por toda a rua

Se derramou soberbo. - Infindos pajens

Ricas librés trajando, mil archotes

Nos ares revolviam; - fortes, rápidos,

Fumegantes corcéis, sorvendo a terra,

Tiravam rica sege melindrosa.

Sobre a terra saltou airosa e bela

A dona, em frente do festivo paço;

E a mendiga bradou: - Senhora minha,

Dai uma esmola, dai! - À voz dorida

Volveu-se o rosto d'anjo, porém d'anjo

Não era o coração; - foi-lhe importuno,

Mais que importuno... da mesquinha o grito!

E da mendiga o protetor celeste

Parecia falar em favor dela;

E a rica dona o escutava, como

Se ouvisse a interna voz que dentro mora.

 

E eu dizia também - Ó bela Dona,

Dai-lhe uma esmola, daí; - de que vos serve

Um óbolo mesquinha, que não pode

Sequer um dixe sem valor comprar-vos?

Ah! bela como sois, que vos importam

Custosas flores, com que ornais a fronte?

Para a salvar do vórtice do crime,

O preço delas, uma só, da coisa,

Que sem valor julgardes, é bastante.

Sabeis? - Além da vida, além da morte,

Quando deixardes o ouropel na campa,

Quando subirdes do Senhor ao trono,

Sem andrajos sequer, também mendiga,

Ali tereis as lágrimas do pobre,

A bênção do afligido, a prece ardente

Do que sofrendo vos bendisse, - ó Dona.

 

Fechou-se a porta festival sobre ela!

E a donzela se ergueu, corou de pejo,

Lançando os olhos pela rua escusa,

E segura no andar, e firme, à porta

Do palácio bateu - entrou - sumiu-se.

 

E o anjo, como aflito sob um peso,

Um gemido soltou; era uma nota

Melancólica e triste, - era um suspiro

Mavioso de virgem, - um soído

Subtil, mimoso, como d'Harpa Eólia,

Que a brisa da manhã roçou medrosa.

IV

Dos muros ao través meus olhos viram

Soberba roda de convivas, - todos

Veludos, sedas, e custosas galas

Trajavam senhoris. - Reinava o jogo

Avaro e grave, leda e viva a dança

Em vórtices girava, a orquestra doce

Cantava oculta; condensados, bastos,

Em redor do banquete estavam muitos.

A mendiga ali estava, - não trajando

Sujos farrapos, mas delgadas telas.

Choviam brindes e canções e vivas

 

À Deusa airosa do banquete; todos

Um volver dos seus olhos, um sorriso,

Uma voz de ternura, um mimo, um gesto

Cobiçavam rivais; - e ali com ela,

Como um raio do sol por entre as nuvens

Lá na quadra hibernal penetra a custo

Quase sem vida, sem calor, sem força,

Menos brilhante vi seu anjo belo.

Nos curtos lábios da feliz mendiga

Passava rápido um sorriso às vezes;

Outras chorava, no volver do rosto,

Na taça do prazer sorvendo o pranto.

Encontradas paixões sentia o anjo:

Parecia chorar co'o seu sorriso,

Parecia sorrir co'o choro dela.


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