Pedaços de um eu algum
Há no meu eu o pulsar de um desejo
e no qual há, ainda, o quê, agora, almejo;
que o fim do somatório da minha dor
não interrompa os gritos do clamor;
face a um pedaço ser bem emudecido em mim,
e o meu outro resto é ouvido, mas ruim...
A sinfonia que me invade desde o nada
é bem-vinda, ainda que quase desafinada;
e eu a quero para sempre almejada
ainda que pouco executada;
face a um pedaço inaudível ser ilusão,
e o meu outro resto não, mas real solidão...
E os versos que, agora, eu escrevo
que não sejam lidos e cantados com desvelo;
mas, como a unicidade do momento
de um poeta imerso em seu eterno tormento;
face a um pedaço ser calado em mim,
mas o meu outro resto é ensurdecedor e ruim.
Um sobrevivente à síndrome “Stevens Johson”
Houve um incêndio afótico dentro de mim.
em trevas e sob a cremação da carne putrefata
emergiu o emudecido veneno
qual direito da alma acasalar-se,
puramente, em si,
e sob correção ao estrago
da cicatriz na natureza humano-espiritual.
Porém,
Haverá nova folhagem
ao homem salvo pela Divindade Criadora
que purificou e lapidou
o bruto complexo psicofísico da criatura.
Então,
A vida torna-se um fiel canto para o encanto de renascer...
Canção ao exílio
Na minha terra havia palmeiras e o canto dos sabiás.
nela, exalava o perfume dos jardins urbanos.
dela, ouvia-se a linguagem singela do cotidiano.
com a minha cidade crescia a romântica dos poetas...
A inimizade humana passava por sobre ela
em eólica turbulência rumo às outras plagas,
para derramar-se noutros cenários de ganância existencial.
À minha terra, na infância, ouvia-se sinfonias sabianas
nas manhãs iniciais de um futuro já desenhado ao abandono.
e, agora, quais árvores darão abrigo a outros pássaros canoros
para entoar um canto de saudade?
Personagens
Sou espinho entre rosas
que são belezas no jardim;
abrigo ao pontiagudo perigo
em iminência contínua de ferir...
Sou veleiro errante num mar de calmarias
atracado em porto plácido;
mas, sob pesadelos de ventanias
e ressacas possíveis...
Sou foco que somente resplandece
sob a luz de estrela única;
advinda de céu cinzento
que só se enche de nuvens turvas...
Sou barulho que a se próprio ensurdece;
rendendo-se em sangue esvaído;
às quedas da moldura de carne
que ao álcool retornará...
Sou travessia destinada às mágoas
de mesmice acumulada;
quanto mais existida
mais e mais se embriaga...
Cachos de flores
(ode a Caxias)
Quem amou, verdadeiramente, te chamou de princesa
e quando quiseram arrancar de ti o sumo nobre...
não aceitou beber o cálice com teu sangue
Quem ama, fielmente, te chama de lírica poesia
e quando querem declamar de ti o poema nativo...
atenta para ouvir os versos brancos do teu véu
Quem nunca amará, em verdade,
te trairá sob cunho promíscuo...
e quando quiserem usufruir de ti
a beleza em ônus mercenário...
ofertará a plebe de teu reino
e te deixará órfã de viva natureza...
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