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Academia dos Cervejistas do Samba


Nos conta o Dr. Arthur Almada Lima Filho, em seu Efemérides Caxienses (2014), uma curiosa sociedade em nossa cidade: A Academia dos Cervejistas do Samba, fundada no dia 25 de outubro de 1895.

“... cujo objetivo é de reviver e relembrar os antigos sambas, para o que os sócios se reúnem duas vezes ao ano; na segunda-feira de Carnaval e na data de aniversário da instituição, oportunidade em que uns sócios tocam alguns instrumentos musicais, enquanto os demais cantam com bastante entusiasmo, todos atentos ao lema: ‘Beber sem perder a lucidez’, sob pena de exclusão Academia”. 

O ambiente educacional, social e cultural em Caxias, deve-se principalmente pela sua vertiginosa economia rural e que tinha como base para importação e exportação o porto as margens da cidade, a beira do Rio Itapecuru, entre o fim do séc. XVIII, o que fez com que seu desenvolvimento atraísse diversos comerciantes de toda a parte da colônia brasileira, inclusive de Portugal. Desde esse período originou-se uma sociedade aristocrática formada por portugueses e com eles vieram diversas formas de expressão artísticas, de cultos religiosos a festas profanas como o carnaval (trazida pelos europeus com a prática do chamado entrudo). De Vila e elevada a Cidade, Caxias desenvolveu uma serie de associações e sociedades das mais diversas correntes: políticas de ideias conservadoras, liberais e posteriormente republicanas e abolicionistas. Grupos beneficentes, filosóficos e literários, surgindo então o Teatro Harmonia, em 1843.

Mas o que também é pioneiro em nossa cidade é a composição dessas sociedades, formadas por grupos heterogêneos ou pelas camadas mais populares, como trabalhadores, artistas de ofício e até escravos. Uma delas provavelmente é a sociedade Academia dos Cervejistas do Samba. E daí vem as curiosidades sobre esta associação: as palavras ‘academia’, ‘cervejistas’ e ‘samba’. 

Academia, palavra de origem grega akadêmia, se refere ao jardim próximo ao túmulo do herói Academo, situado nas proximidades da cidade estado de Atenas, onde funcionava a escola filosófica de Platão. Esse termo era usado para definir instituições de grande gabarito, como academias de artes, medicina e outras ciências cultas. Não era comum se batizar instituições de cunho festivos e populares com essa denominação. 

Embora atualmente a cerveja consumida no Brasil seja vendida como preferencialmente ‘estupidamente gelada’, nem sempre foi assim. Essa bebida que remonta os tempos do Egito Antigo, se popularizou aqui em Caxias após a revolução industrial, onde cervejas oriundas da Inglaterra e Estados Unidos, do tipo Porter e Pale Alê, mais escuras e encorpadas, produzidas com técnicas diferentes, bebia-se em temperatura ambiente, pois o gelo era raro de se encontrar (vinham da Europa ou EUA de navio em meio a serragens). A bebida consumida nas festas, bailes e tertúlias em Caxias, eram vinhos, licores, conhaque, cidra e cachaça. Mas a cerveja já estava na cidade, como a da marca Rei de Copas, se popularizando entre comerciantes e trabalhadores da cidade. Em um poema de Alfredo Cunha, intitulado O Néctar, publicano no Jornal de Caxias, em 1896, ele cita: “Ao jovem Camillo Guedes, se recomenda discreta, como pronto – alívio as sedes, a fria cerveja preta”. Camilo Guedes era um português estabelecido em Caxias e pertencente a geração de intelectuais caxienses daquele período, ao lado de seu amigo Vespasiano Ramos. 

Já a palavra ‘samba’ é mais curiosa. Conforme diversos historiadores o samba nasceu na Bahia, mais precisamente no Recôncavo Baiano, por volta de 1860. Foram os escravos oriundos da África, que com suas raízes culturais e religiosas introduziram seus costumes na cultura popular. Os homens sentados tocavam os batuques e as mulheres em volta dançavam com seus ritmos espirituais, estilo que ficou conhecido como ‘samba de roda’. Só no início do século XX, é que o samba se firmou no Rio de Janeiro com uma leva de ex-escravos que se estabeleceram na periferia da capital brasileira, nas proximidades dos morros da área central. O que se tocava nas festas em nossa cidade, das populares aos soirée (palavra de origem francesa, assim chamava-se os eventos ocorridos nos casarões a noite), eram valsas e polcas, acompanhadas geralmente de canto, violino e piano.

Portanto, somar essas três palavras em uma denominação de sociedade naquela época é de certa forma interessante. Dessa forma crio algumas hipóteses sobre a Academia dos Cervejistas do Samba:

Seria um grupo de jovens intelectuais, oriundos das classes abastadas, que se encontravam durante o carnaval para beber essa bebida que era novidade na cidade? Seria um grupo de trabalhadores das fábricas têxtis, artificies e músicos, que consumiam essa bebida? (importante destacar que o maquinário vinha da Inglaterra e EUA, junto com técnicos para sua montagem e operação). Ou então, um grupo misto de jovens e trabalhadores das diversas classes que só queriam fugir dos tradicionais bailes nos casarões dos coronéis?

Ainda assim, definido o público membro desta sociedade, ou melhor, desta academia, fica um questionamento sobre seu objetivo principal: ‘reviver os antigos sambas’. 

Se o samba era criminalizado no Rio de Janeiro, já no século XX, onde andar com instrumentos e tocar no centro da cidade dava cadeia, como aqui em Caxias, décadas antes, um grupo se reunia publicamente a glorificar esse estilo de dança popular entre escravos? 

Não só o culto ao samba é curioso em Caxias como também ‘reviver os clássicos do samba’, em 1895. Ou seja, em nossa cidade já havia grupos que tocavam samba pela metade do século XIX, no mesmo período ou pouco posterior, ao catalogado no Recôncavo Baiano, berço do samba no Brasil. Claro que o samba como uma mistura de ritmos e costumes pode ter diversas raízes oriundas dos povos africanos, antes mesmo de 1860. Mas aqui em nosso solo, ao que parece, somos contemporâneos nesse estilo musical com a Bahia.

Certamente, esse é um caso que merece ser estudado com mais profundidade em nossa história e cultura caxiense, mas que provavelmente não se encontrará muita coisa pela falta de preservação dos registros de nossa memória.  

Nesse 25 de outubro de 2021, comemora-se 126 anos de fundação desse grupo acadêmico caxiense de grande relevância e que não deve se esquecido. 

Viva os fundadores da Academia Cervejistas do Samba! Viva a cerveja! Viva o samba!


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