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O vazio da Refinaria


Desde a década de 1970, quem chegava em Caxias pela então Rodovia Federal, era recebido pelo mais novo cartão de visita da cidade. Ela estava ali, imponente, como um novo símbolo de progresso da indústria caxiense. Era a torre da Refinaria de Óleo de Babaçu, propriedade do incansável comerciante Alderico Silva. Quando na década seguinte a BR mudou seu traçado deixando de passar pelo centro da cidade, aquela estrutura voltara-se aos moradores locais, sendo adotada como referência ao novo bairro que acabou recebendo o nome de Refinaria.

Nesse mesmo período a Refinaria foi adquirida pela Indústria de Óleo Coringa, passando-se a ser conhecida como a ‘torre do Coringa’. Mudou sua denominação popular, mas a simbologia continuava. Mesmo com o fechamento da fábrica ela permaneceu viva a todos que por ali passavam. Assistiu o fim de suas atividades industriais, mas acompanhava o crescimento habitacional da região com a chegada de novos moradores. E vice-versa. Pois sem muitas áreas públicas de sociabilidade como praças ou parques na região em que os moradores pudessem compartilhar suas convivências, eram nas portas das casas sob a vista da torre que as histórias iam surgindo.

Até que em 2019 o antigo parque da Refinaria foi vendido, desmontado e dividido em lotes. A estrutura da fábrica demolida dando lugar a uma grande rede varejista, restando apenas a torre. Até que na madrugada do último dia 20 de setembro, a derrubaram.

No meu recém-lançado livro ‘Por Ruas e Becos de Caxias’, na página onde falo sobre a antiga BR (e também antiga Avenida Central), hoje Avenida Comendador Alderico Silva, destaco a história da Refinaria e sua importância para o desenvolvimento daquela localidade. Assim está a descrição na foto da avenida: “Ao fundo, a estrutura da caixa d’água da Refinaria de óleo babaçu, símbolo do bairro Refinaria”.

Sim, era isso que caixa d´água era, um símbolo do Bairro Refinaria.

Nas redes sociais foi visível o sentimento de lamento quando saiu a notícia de sua destruição, causando forte comoção nos caxienses. Era quase unânime a tristeza demonstrada nos comentários junto das fotos da torre, tanto de fotos antigas quanto as com ela ao chão. A comparação feita com o acervo histórico e arquitetônico foi imediata, pois alguns achavam que ela estava protegida. Já outros a olhavam apenas como uma velha estrutura sem função, ocupando espaço ou atrapalhando o desenvolvimento. Nada tinha a ser preservada, pois não era tão antiga.

Sim, a caixa d´água era um patrimônio. E sim, sua construção era recente comparada a outros imóveis do século XIX e XX espalhados pela cidade, não sendo portando tão ‘antiga’.

Patrimônio é tudo aquilo que é de valor a um povo, sendo fundamental sua discussão para estabelecer uma sociedade a qual queremos desenvolver. É uma identidade nacional, estadual, municipal ou local. Um bem patrimonial só tem valor quando a ele é atribuído um sentimento de pertencimento. Uma edificação como uma torre de caixa d´água não tem um valor em si, mas ele passa a ser importante quando um determinado grupo social atribui a ele esse valor.

E foi esse valor cultural, um sentimento de pertencimento, que o morador da Refinaria e o caxiense de uma forma geral deram aquela estrutura de concreto. Patrimônio histórico não significa idade, mas identidade. E foi isso que despertou todo esse sentimento de perda nas pessoas.

Mas é preciso deixar uma coisa clara: não houve crime ou qualquer irregularidade na demolição. A torre não estava no perímetro do centro histórico de Caxias e também não estava na lista de bens tombados pelo município, o que lhe garantiria a preservação. Mas convenhamos, foi uma falta de sensibilidade e de planejamento de quem adquiriu o terreno em não buscar conhecer melhor o local de seu futuro empreendimento.

Existem muitos patrimônios como esse por Caxias que estão desprotegidos e que deveriam ser estudados, catalogados e entrarem em discussão com a comunidade para que seja tombado como patrimônio material da cidade. Só assim se garante que um bem patrimonial continue a existir fisicamente e culturalmente. Mas como muitos símbolos de Caxias, a torre da Refinaria, ou do Coringa, não existe mais.

Quando o complexo fabril foi vendido, escrevi o artigo ‘Precisamos de mais museus’, alertando a necessidade de obter alguns objetos daquela fábrica para, quem sabe um dia, construirmos um museu da indústria caxiense. Mas nada fora feito e tudo foi destinado ao ferro velho. Era visível que a torre teria o mesmo destino. E assim foi.

A partir de agora passa a existir um sentimento de ausência naquela parte da cidade. Perdeu-se sua referência. É o vazio da Refinaria.


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